Desde pequeno, quando o ônibus passava em frente à sua casa, Valmor Geraldo Martins, hoje com 73 anos, pensava em ser motorista. Aos 16, ainda menor de idade, conseguiu autorização e emprego para dirigir táxi à noite na Praça Barão de Schneeburg, em Brusque. Foi ali, entre uma corrida e outra e no jardim da praça, que conheceu os proprietários das empresas Brusquense e Santa Teresinha. O contato com os donos foi a porta de entrada para o emprego que duraria até se aposentar. Ao completar 18 anos, entrou na empresa Santa Teresinha como motorista e só saiu de lá 48 anos depois. Meio século de vida encurtando distâncias entre as pessoas.
Grande parte do tempo Martins viveu no ônibus. Dentro dele conheceu Esmeralda, que trabalhava na empresa Schlosser, e que se tornou companheira da vida toda. Hoje ela tem 74 anos e o casal possui uma filha e dois netos. O motorista iniciava seu horário às 4 horas da manhã (acordava às 3h) e terminava somente às 23 horas. Tinha até uma casa alugada no final da linha para descansar nas poucas horas que restavam entre o final e o início do serviço. “Quinze anos eu trabalhei assim, direto. Depois veio a lei que não podia trabalhar mais que oito horas, mesmo assim eu viajava. Fazia muita excursão pra Santa Catarina”, conta.
Nascido em 11 de junho de 1946, Martins morava com a família na região dos bairros Itaipava e Limoeiro, em Itajaí. De uma família com vários irmãos, era necessário trabalhar desde jovem para auxiliar em casa e logo partiu para o mercado de trabalho.
As estradas e os ônibus eram diferentes de hoje em dia. “Eu sofri, porque eram ônibus velhos, pesados. Não era qualquer um que aguentava. Eu fiquei firme”, orgulha-se o aposentado, que mora no Centro de Guabiruba.
A Coca-Cola foi sua companheira para afugentar o sono, principalmente quando as viagens eram para levar conjuntos de Brusque para se apresentar, momento em que os bancos dos ônibus eram todos retirados. “A gente chegava às nove horas da noite, começavam a tocar às onze, e vinha embora às cinco da manhã. Era Joinville, Florianópolis, Tubarão, e as vezes não se dormia de noite, aí dava sono”, diz.
Uma viagem inesquecível
Em junho de 1980, todas as atenções estavam no Paraná. Era o Papa João Paulo II que estaria em Curitiba. De Brusque, muitas pessoas partiram para ver o Papa, incluindo o ônibus conduzido por Martins, que nunca tinha ido até a capital paranaense. Nem ele, nem seu ônibus. Suas viagens eram praticamente todas dentro do estado. “Falei com um motorista para ele ir um pouco mais devagar, porque meu ônibus não era de viagem. Não era confortável, não passava de 80. Mas que nada, ele me deixou pra trás”, recorda ele, que seguiu outros ônibus desconfiando estarem indo para o local. “Eu segui eles toda vida, e quando encostaram, encostei também e era lá”, completa.
Martins, como uma multidão que estava lá, queria ver o papa. “Saí por uma rua de pé, fiquei esperando e pensei quem sabe ele vai passar aqui e ele passou. Eu vi ele de perto, cinco, seis metros e ele passou abanando a mão”, emociona-se o motorista aposentado.
Outra viagem que marcou sua vida foi durante a enchente da década de 1980. Martins foi levar uma equipe de voleibol para disputar um torneio em Joinville. “Chovia bastante aqui. Tava tudo cheio já. Nós fomos e depois não deu mais para voltar”, lembra o motorista, que conseguiu retornar até o Limoeiro, quando todos atravessaram o local de canoa. “Eu amarrei o ônibus atrás de uma carreta e atravessei. Quando chegou aqui em Brusque, tava tudo cheio, era só água. Ali no Mont Serrat então eu tive que esperar a água baixar sem comida, sem nada. Fiquei dois dias ali, até que veio um cara que tinha umas bolacha e comida”, relata.
Valmor Discos e Cristiane CDs
Entre as viagens de ônibus, Valmor gravava e vendias fita cassete. Tinha uma loja chamada Valmor Discos, que mais tarde passou para sua filha e se chamou Cristiane CDs. “Eu não dava conta de gravar tanta fita”, revela.
Martins diz que já passou muito trabalho na vida. Coisas boas, ruins, mas que ao final as coisas sempre deram certo. Nunca sofreu acidente e já esteve perto de ser atropelado. “Eu acredito muito em Deus. Sempre deu certo. Nunca sofri acidente. Já bateram atrás de mim, mas nunca tive culpa”, enfatiza o motorista.
A vida melhorou bastante. Martins começou a ser sempre o primeiro a dirigir os ônibus novos que chegavam na empresa. Também por ser o mais velho, era muito valorizado em suas opiniões. Na hora que saiu da empresa, há sete anos, chorou.
Mas a aposentadoria não é sinônimo de ficar parado. Ele caminha todos os dias, faz serviços de pedreiro e sabe que movimento é vida. O último serviço foi a construção de um aquário com o neto no pátio da casa. “Todo dia eu tô fazendo alguma coisa. Meu pai viveu até os 102 anos e ele dizia ‘que mundo bom é hoje’, e é verdade, que mundo bom”, pontua.