É em uma pastinha de plástico azul que os aposentados Pedro Floriano (66) e Hildevan Juliana Machado Floriano (60) guardam os documentos da compra do terreno e para a construção da casa da família, no bairro São Pedro. O sonho da casa própria foi realizado neste ano, mas ainda não está completo.
Além da obra da casa que falta ser concluída, a família vive em condições precárias, sem energia elétrica. Com a máquina de lavar parada em um canto do quarto, dona Hildevan mostra as marcas nas mãos depois de esfregar as roupas uma a uma no tanque. O banho quente é improvisado com um pote plástico, onde eles colocam água aquecida à lenha.
Sem energia, a geladeira que seu Pedro fez empréstimo para dar de presente à esposa também não tem serventia. O neto reclama da falta de uma televisão para se entreter, já que o terreno fica em uma área de bastante vegetação e com poucas casas próximas.
Guardado com todo o cuidado na pastinha azul, a autorização da Prefeitura de Guabiruba para ligação de energia elétrica, assinada em 3 de agosto, por um arquiteto da Secretaria de Planejamento Urbano e Infraestrutura não garantiu aos aposentados o direito de ter luz em casa. Junto ao documento, estão os projetos da obra, a autorização para ligação de água, o alvará de construção e documentos de cartório referente ao terreno.
Quando deixaram Mogi das Cruzes, em São Paulo, para viver em Santa Catarina, o primeiro destino foi Brusque, onde alugaram uma casa no bairro Nova Brasília. Com o aluguel pesando no orçamento, seu Pedro e a filha, que já morava na cidade, fizeram as contas e decidiram fazer um empréstimo cada um para construir sua casa no mesmo terreno.
Começaram então a busca por um terreno em grupos de WhatsApp. Rejeitaram várias propostas, pois as terras oferecidas não tinham documentos. “Eu achei vários lotes baratos, mas tudo sem documento. Como eu ia comprar algo sem escritura para amanhã ou depois alguém nos tirar?”, questiona seu Pedro.
Foi então que ficaram sabendo de um terreno no bairro São Pedro, em Guabiruba. Seu Pedro viu os documentos, fez o empréstimo e fechou negócio. Uma entrada e mais 130 parcelas. O restante do dinheiro do empréstimo foi usado no projeto, materiais para a obra e serviço de pedreiro. Tudo feito contando com a aposentadoria de seu Pedro e o salário da filha professora e do genro vidraceiro. “A gente vive pela graça, mas Deus está dando graça”, diz a aposentada.
“Fizemos tudo bonitinho. Quando chegou para ligar a luz eu fui na Celesc e disseram que eu não podia, porque o contrato não estava no meu nome e sim, da minha filha e esposo. Mesmo sendo casada há mais de 40 anos. Aí falei para o marido e ele foi então à Celesc para pedir. Depois foi a filha”, emenda ela.
Enquanto tentavam a ligação da energia com a Celesc, a família descobriu que a rua que passa em frente a sua casa não é pública e que o endereço do terreno que compraram fica em outra rua próxima. Foram verificar então, para colocar o poste lá.
“Todo mundo da casa saiu puxando fio para trazer do poste até aqui. Três dias depois que a Celesc ligou a energia, eles vieram e levaram o relógio embora. Falaram pra minha filha que a gente não podia ter comprado terreno aqui, que não tem saneamento básico, que aqui é um condomínio particular”, conta.
O casal diz que mesmo morando ainda “na construção” e sem energia, não se arrepende da compra do imóvel, pois agora eles têm um bem. “Aqui é o bem que nós temos. A gente não quer prejudicar ninguém. Só queremos a energia. A gente tem medo. Não estamos acostumados com isso, vir alguém e levar a luz. Eu sou uma cidadã, não estou roubando, fazendo gato. Eu só quero ter o direito de ter um relógio e pagar”, diz Hildevan.
Ela e o marido se orgulham de dizer que sempre pagaram suas contas em dia. “A vida inteira moramos de aluguel com contrato da imobiliária, tudo certinho. Eu tenho todos os comprovantes. Eu não fiz nada de errado”, diz seu Pedro, que sempre trabalhou como motorista de caminhão e sofre de diabetes.
“A gente quer a luz, não queremos brigar com ninguém”, completa o aposentado.
O que diz a Celesc
De acordo com o gerente da Celesc – agência Brusque, Guabiruba e Botuverá, Leutério Scussiato, a empresa recebeu uma denúncia anônima após a ligação da energia na casa da família, que foi realizada por uma empresa terceirizada.
“Essa energia foi desligada, após uma notificação de consumidor, pois houve uma denúncia de que estaria passando por cima de terreno de terceiros, o que a Normativa Técnica (321.0001) não permite. Após a verificação dos fiscais no local foi constatado que a fiação saia da rua Francisco Suavi, passava sobre terreno de terceiros e entrava na rua Maria Carminatti, seguindo por mais de 500 metros até o local da residência”, explica.
Segundo ele, a empresa realizou a notificação à família. “Eles não tiveram como corrigir a situação para que a ligação ficasse na divisa do seu imóvel e fomos obrigados a desligar”, completa o gerente.
Ele explica que não é permitido passar com energia em terrenos de terceiros por uma questão de segurança.
O que dizem os vendedores
O imóvel foi vendido à família de Pedro Floriani por dois irmãos. A reportagem do Jornal Guabiruba Zeitung tentou contato com eles por telefone diversas vezes, mas não obteve retorno.
Procurou então, a residência cujo endereço consta no contrato de compra e venda do terreno e conseguiu localizar uma das vendedoras. Carolaine Fischer informou à reportagem que o irmão está internado e que ela não tinha conhecimento de que a família que comprou o terreno estava com problemas para obtenção de energia elétrica.
Questionada sobre a falta de infraestrutura do Condomínio, cujo terreno faz parte, conforme especificado no contrato, ela também informou não ter conhecimento e disse que vai verificar a questão.
O que diz a Prefeitura
De acordo com o secretário de Planejamento Urbano e Infraestrutura da Prefeitura de Guabiruba, Jethro Mouzes Cordeiro de Barros Silvestre, por meio da consulta de viabilidade realizada antes da construção da casa de Pedro Floriano e da filha, ambos foram informados que o terreno era uma “área passível de construção, porém o proprietário se responsabiliza pela instalação da infraestrutura”.
Por conta disso, em 7 de junho, seu Pedro entregou na Prefeitura uma declaração dizendo ser sua a “responsabilidade de ligação de energia elétrica, rede de água e rede de drenagem da edificação”.
“Este condomínio foi criado no início dos anos 2000, então ele é bem antigo. Os regramentos e as cobranças naquele período eram outros. Nesses condomínios antigos, as pessoas tinham faixas de terra compridas, o que é normal aqui em Guabiruba. Então, elas pegavam a matrícula e faziam uma rua projetada para poder parcelar os lotes. Era como se fazia no passado, hoje em dia isso não é mais possível, pois temos a Lei de Parcelamento de Solo, com todos os procedimentos que devem ser seguidos pelos loteamentos, condomínios, entre outros”, explica o secretário.
“O lote negociado por esta família foi em um condomínio feito desta maneira: uma rua projetada, sem infraestrutura – que é a dificuldade que eles enfrentam. Existe uma determinação da Procuradoria Geral do Município e da nossa equipe técnica, que não podemos negar alvará de construção, sem embasamento legal. Então, se lá no passado isso era permitido, qual o embasamento legal hoje para proibir a construção? Não só neste caso, mas em situações como esta, de condomínios antigos. Ou seja, temos que fornecer o alvará e a pessoa estar ciente que o local carece de toda a infraestrutura e ela é responsável por isso”, detalha Silvestre.
O que fazer antes de adquirir um imóvel
Para que situações como a enfrentada pela família do seu Pedro não aconteçam, o secretário orienta que antes de fechar o negócio para a compra de um imóvel, o comprador verifique junto ao cartório, a Prefeitura e a Celesc a situação do terreno ou construção, bem como, o que é necessário realizar para regularizar a questão, caso haja qualquer empecilho.
“Nossa orientação é que ao negociar qualquer tipo de imóvel – residencial, comercial ou industrial – seja qual for a finalidade, sempre consulte a Prefeitura antes de fechar o negócio. Faça uma consulta prévia de viabilidade, para identificar qual é o zoneamento que este imóvel se encontra, que delimita o tipo de construção permitido no local de acordo com o Plano Diretor do município. Pode ser um apartamento no centro da cidade. É importante saber se tem toda a documentação, se foi feito um projeto, se existe algum embaraço na matrícula do imóvel”, orienta Silvestre.