Quem vem a Guabiruba em dezembro, não esquece o que vê. Conhecer as tradições natalinas da cidade é como provar uma iguaria rara, daquelas que existem em poucos lugares do mundo. Aqui, a especialidade chama-se Pelznickel e é servida na PelznickelPlatz, onde cada um possui tempero próprio. Para alguns é noite de susto, para outros é brincadeira, e há os que só querem alimentar-se de cultura. Em meio a tudo isso, escondido nos caminhos da Platz, está Ademir Klann, um pintor de 50 anos. Para ele, a noite é de caçada.
Ademir cresceu sem saber do Papai-Noel vermelho. Na casa onde morava, sem luz elétrica ou água encanada, o Pelznickel era a única figura. “Era só Papai-Noel do Mato e quando ele chegava, era um desespero porque a gente era levado, e ele vinha cobrando obediência”, conta. Na família Klann, a visita gerava correria: “ia um pra baixo da cama, outro pra trás da porta, mas não adiantava. O pai nos puxava de lá e dizia ‘esse não obedeceu, pode bater’. Dá até um nervoso de lembrar”, diz, esfregando os braços para afastar um arrepio.
E não é à toa que uma das principais características de Ademir, como Pelznickel, venha da infância. “Joguei meu bico fora. Nunca esqueci”, e descreve a cena como se estivesse revivendo-a: “a mãe lavava louça na janela de frente aos pés de banana. Não tinha torneira, era só uma tábua com balde d’água. Eu joguei o bico dessa janela, por causa do Pelznickel. Joguei longe, lá no meio das bananas, e não usei mais”. Hoje, pegar chupetas e mamadeiras é a parte favorita dele nas noites da PelznickelPlatz. O objeto é a caça, e Ademir é o caçador. “Se veio de bico, eu tiro. Pra passar no corredor, precisa me entregar, e quando tô na ponte, já puxo logo com a vara. Tenho mais de vinte bicos no meu cajado” diz, orgulhoso.
A aparência original também é herança de memórias, só que dessa vez, não de Ademir. São memórias de uma época mais antiga, dos próprios imigrantes, que ao reproduzir a tradição do Pelznickel substituíram o conjunto de peles por uma versão com folhas de geonoma gamiova, árvore brasileira da família das palmeiras.
Mais do que dar sustos e colecionar chupetas, Ademir acredita que todo Pelznickel deve preservar a cultura regional e fala sobre outro uso da planta: “Ela tem folhas grandes e que seguram a água. Num tempo sem telhas de barro, era o que tampava a casa das pessoas”. A prática do traje da gamiova foi passada de geração em geração, e chegou até Ademir pelos irmãos mais velhos. Ele tinha 13 anos quando fez o primeiro modelo, e desde essa época, todos os anos, ele e os irmãos se reúnem para renovar a vestimenta.
“É igual linha de produção”, explica, e inclui amigos. Um separa as folhas, outro corta o pecíolo e regula os tamanhos, o próximo faz o gancho da amarração, o seguinte amarra e assim por diante. Ademir garante que nenhuma árvore é arrancada no processo. “Não precisa, é só fazer o corte certinho. Ano que vem, o que tiramos agora já vai ter crescido, porque é assim todo ano. Pelznickel tem que cuidar da natureza”. Abundante em Santa Catarina, a geonoma gamiova está na Lista das Espécies Ameaçadas da Flora do Rio Grande do Sul, de acordo com o último levantamento da Sema, a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do estado.
Usar gamiova tornou-se a marca de Guabiruba Sul, enquanto trapos e barba-de-velho descrevem o estilo do bairro São Pedro. Nos dois lugares, o objetivo é o mesmo: manter o espírito natalino e perpetuar os costumes da região. Esse pensamento une as comunidades e é um dos pilares da Sociedade do Pelznickel.
Aperfeiçoada por quase quatro décadas, a roupa de Ademir carrega história e mais de 250 folhas, que pesam de oito a 10 kg. “Não é fácil, até emagrece, mas nunca vou desistir. Enquanto tiver gente pra ver, eu vou ser Pelznickel”, finaliza.