A cutelaria é uma arte praticada há milhares de anos e despertou a curiosidade do guabirubense Jean Carlos Coelho. Ele que, influenciado pelo avô Saulo, sempre gostou de ir para o sítio, do contato com a natureza e de uma boa pescaria, conta que resolveu fazer sua primeira faca em 2016, depois de assistir ao programa Desafio sob Fogo.
“Em um episódio pegaram um pedaço de ferro e outro de madeira e virou uma faca. Me chamou atenção, porque na minha cabeça, como moramos em uma região industrial, tinha uma máquina gigante que cuspia um milhão de facas por mês (risos). Mas não é como eu pensava. Aí resolvi tentar fazer uma. Fui no ferro velho, comprei uma barra de aço, peguei um pedaço de madeira do mato e fiz”, conta.
A partir daí os amigos viam a faca e pediam para que Jean fizesse para eles também. “A gente tem sítio no Lageado e eu levava ela pra lá. Meus amigos e amigos do pai não acreditavam que eu tinha feito e começaram a pedir para fazer uma para eles. Eu tinha vergonha. Como ia fazer uma coisa que não sabia se estava certo? Aí quando alguém fazia aniversário eu ia lá fazia uma faca e dava de presente. A partir de 2017 começou gente que eu nunca tinha visto na vida me procurar para saber se eu fazia faca para vender, mas eu dizia que fazia só por hobby”, recorda.
Jean então começou a procurar vídeos na Internet para aprender mais sobre cutelaria. “Comprei madeira e aço próprios e fiz duas facas mais bonitas. Fui em um churrasco na Planície e levei as facas para usar lá. Foi então que o dono do sítio quis comprar. Fiquei todo sem jeito, roxo da vergonha. Nunca na minha cabeça eu pensava em vender”, destaca.
No final do churrasco, depois de muita insistência, Jean acabou vendendo as facas. “Eu disse a ele: vamos fazer assim, eu vou deixar as facas. O senhor usa e se não quebrar e não der nenhum problema, outro dia passa lá em casa e me dá alguma coisa. Mas ele puxou R$ 300 e me pagou”, conta.
O dinheiro Jean investiu em materiais e fez mais facas. “Começou a tomar uma proporção muito grande. Muita gente vinha me procurar e em 2020 decidi fazer um curso, mas o problema é que só tinha em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul”, explica.
Como trabalhava tempo integral em uma marmoraria, precisava conciliar o curso com o período de férias. Foi então que um fornecedor de insumos de Curitiba lhe indicou um cuteleiro Rodrigo Englert, de Jaraguá do Sul, que está entre os melhores do país.
O curso
Da primeira faca feita em 2017 até hoje, Jean já fez aproximadamente 500 facas na oficina que fica atrás da casa onde vive com a mulher Jonielle e a filha Maria Luiza, no bairro Guabiruba Sul. O local já abrigou uma pequena tecelagem da família.
A segurança sobre as peças que confeccionava veio com o curso de Curso de Cutelaria, realizado em 2020, quando o Brasil e o mundo começavam a luta contra a pandemia de Covid-19.
“Entrei em contato e ele me respondeu que estava com a agenda meio cheia e só conseguia no final de semana. Ai deu certo e comecei. Sexta à noite eu pegava o carro e ia para Jaraguá. Voltava no domingo. Foram três meses até acabar. Nossa, aí a cabeça abriu”, comemora. “Aprendi sobre os tipos de aço, tratamento térmico e os tipos de faca, pois cada modelo é para uma coisa”, emenda.
O cuteleiro comenta uma curiosidade de sua formação. “Teve um final de semana de lockdown, que resolvemos fazer as aulas com todos os cuidados. Eu fui de Guabiruba até Jaraguá e não passei por cinco carros. Falei para a minha esposa: parecia que eu estava em um filme de fim do mundo. Foi uma loucura, mas valeu a pena!”, ressalta.
Profissão: cuteleiro
Mesmo depois da conclusão do curso e do aumento da procura por compradores, Jean continuou conciliando a arte de fazer facas artesanalmente com a rotina de funcionário, na empresa em que trabalhava.
“Eu tinha medo. A decisão foi tomada há pouco mais de um mês. Não estava mais conseguindo conciliar. Tem faca Custom (customizada como o cliente pede) que demora às vezes 15 dias para fazer. Imagina, eu trabalhando poucas horas por dia, levava dois meses para fazer uma faca. Ai como estava vendendo bem e participando de eventos de artesanato em Guabiruba e do Mercado de Pulgas em Brusque, resolvi sair”, detalha.
Jean diz que os eventos são importantes para divulgar seus produtos. “Me deu um estalo. Em um final de semana ganhei quase duas vezes mais do que o mês inteiro na empresa. Aí tomei a decisão”, frisa.
Hoje, o cuteleiro de Guabiruba fabrica e vende para todo o país facas artesanais e custom. Ele calcula que já fez aproximadamente 500 facas, na maior parte do tempo conciliando com o trabalho CLT.
Valor
Com um trabalho 100% artesanal, as facas de Jean são vendidas por preços que variam de R$ 150 até R$ 400. “Uso madeira nobre específicas para cutelaria. São madeiras que não temos aqui na região e a maioria vem do Norte do país ou Oeste de Santa Catarina”, detalha.
Para os projetos Custom, Jean explica que existem facas vendidas por diversos valores. “A faca mais cara que eu fiz Custom foi vendida por R$ 2,5 mil, mas meu professor faz facas de quase R$ 20 mil para colecionador. Além do nome do cuteleiro, os materiais e técnicas também influenciam. Algumas têm ouro e são facas joias, que chamamos”, revela.
Lâmina Damasco
Para fazer as peças, o cuteleiro utiliza diversos tipos de materiais. A lâmina Damasco, por exemplo, é feita com dois ou três tipos diferentes de aço. “Pego as barrinhas de aços diferentes e vou intercalando na forja, de 1,4 mil graus para frente. Com o calor e a pressão os aços se fundem. Aí vou esticando e transformando em uma única barra de aço. O processo é feito várias vezes, como se fosse um folhado de padaria. No final a faca fica com desenhos únicos”, explica.
Nas facas customizadas, também são utilizados materiais diferenciados nos cabos, como madeira estabilizada (com injeção de resina para retirada de umidade para alta durabilidade, pois se transforma em uma espécie de vidro) e chifre de cervo. “Este que tenho aqui veio da Noruega e sempre gosto de dizer que não são de animais abatidos. Esta espécie troca de galhada todo ano e camponeses saem a campo para catar os chifres para vender”, conta.
Jean também conta que algumas pessoas buscam por facas com cabos feitos com rabo de tatu. “Às vezes o bisavô, o pai tinha uma faca com rabo de tatu, mas na época era natural mesmo. Agora, eu só tenho esse material que imita. No mundo das facas têm muito a questão da tradição e do valor sentimental”, conta.
Marca e embalagem
As caixinhas que os clientes recebem com as facas de Jean vêm do Rio Grande do Sul. As facas também são acompanhadas por um certificado e instruções de uso. O cuteleiro guabirubense também criou uma marca para comercializar suas criações: a Toro Fort Cutelaria.
Jean ressalta que suas facas têm garantia vitalícia. “Se der problema, pode trazer aqui que eu vou consertar. No certificado vai o nome do cliente, o material que eu uso na faca, horas de trabalho e todos os cuidados, porque a faca é uma ferramenta e precisa de cuidados. Principalmente, porque aqui na nossa região não tínhamos a cultura do aço carbono. É preciso lavar na hora quando se usa a faca desse material, se não a lâmina preteia com o tempo”, descreve.