80 anos de dedicação às pessoas

 

Filho de professores, Edinalte Elias de Souza veio com a família de Vidal Ramos – na época Brusque, aos seis anos de idade, para Guabiruba do Norte Alta, hoje Aymoré.

Ainda menino, aprendeu a falar alemão com os vizinhos colonos de quem “invejava” os pés e mãos rachadas da roça. “Eu adorava isso, andar descalço para ter os pés como os deles. Como diziam: tem que ter casco”, comenta enquanto ri.

O senhor de 80 anos, completados na quarta-feira (16), conta que o que mais marcou sua infância foi o fato de ter sua mãe como professora no primeiro ano e seu pai como professor no 2°, 3° e 4° ano do primário. Edinalte relembra que no primeiro ano B ficavam as crianças que falavam apenas alemão. Apenas três alunos, ele o irmão e um amigo, sabiam português. O restante das crianças só falava a língua alemã, a mesma falada hoje quando vai até o bairro reencontrar os amigos.

Mais tarde, no seminário, Edinalte descobriu que sua vocação não era ser padre. O que o levou aos estudos religiosos, foi o contato com um sacerdote que frequentava a casa dos seus pais, no tempo em que estava na catequese e servia as missas em latim, como coroinha. Ele conta que o pároco da igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro tocava violino, assim como seu pai. Aos domingos, eles se reuniam e entre o bolo servido pela sua mãe e as conversas, veio o convite para o seminário. “Tinha que decorar toda a missa em latim. Levei um tempo, mas nunca decorei direito. Nunca sabia o que o padre estava dizendo. Fui coroinha durante um tempo e ali a gente criou esse vínculo”, relata.

Após retornar do seminário depois de dois anos, ele foi estudar na 1ª turma do ginásio noturno do Colégio Cônsul Carlos Renaux e já lecionar. 

“Eu saí do seminário e comecei a dar aula, foi meio por acaso. Comecei na Pomerânia, era Brusque ainda. O convite veio do presidente da escola. Ele foi lá em casa domingo à tardinha dizer para o pai que mandasse – naquele tempo não se perguntava, o filho obedecia – eu dar aula. O pai disse: é um guri de 17 anos. Esse guri não pode dar aula ainda! E ele falou: manda ele lá, tu é bom professor, dona Edite – que é minha mãe – também é. E daquele jeito, eu fui no dia seguinte para Brusque junto com ele, de bicicleta, falar com o sr. Oscar Krieger, – pai do Dom Murilo – e ele disse: “começa amanhã”, conta.

O jovem se tornou professor e lecionou em escolas de Brusque e Guabiruba por mais de 40 anos. As disciplinas eram matemática, ciências e educação física. “Em 1962 eu tinha feito um curso intensivo de educação física na Polícia Militar, porque entrou no currículo e não existiam professores. Não tínhamos nem faculdades em Santa Catarina”, revela.

Ele conta que enquanto não estudava, lecionava nos três turnos. Depois teve de sair do Cônsul, onde tinha a disciplina de educação física para poder cursar Licenciatura em Matemática, na Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb).

O professor Edinalte fala que tinha fama de ser brabo por conta da disciplina com que tratava os alunos. “Até tenho fama de ter sido brabo e na verdade eu era desse jeito e  sempre fui, porque era uma coisa que eu costumava dizer no começo do ano, que se alguém quiser reprovar, que se esforçasse desde o começo”, comenta.

Sobre a profissão, ele fala que viu muita coisa mudar. “Nós tínhamos sempre uma Associação de Pais e Professores (APP) muito bem organizada, e, isso, parece que sumiu e é a mesma unidade de educação. Eu olho e vejo certas incertezas. Fala-se em melhorar, em mudar, eu não consigo entender de fato muita coisa. Tenho quatro filhos, todos os quatro professores. A gente acompanha, ouve muito, vê os problemas que eles têm”, frisa.

Política, educação, fé e família 

Candidato a prefeito em 1975, Edinalte já casado com Olidia Gartner e com os filhos pequenos, não aceitou um cheque de 5 mil cruzeiros para pagar dívidas acumuladas da candidatura, por influência da esposa. Para resolver o problema, vendeu um terreno que tinha em Brusque. “O que a gente é caluniado, difamado, isso é triste depois”, lamenta sobre as eleições.

Depois de conseguir transformar o Colégio Cenecista Carlos Boss em Colégio Estadual na década de 1980, o professor recebeu uma promoção e foi empossado como diretor.

Por conta da criação de 16 subdiretórios partidários na década de 1990, Edinalte visitava muitas casas. Ele conta que sempre teve interesse em trabalhar com as famílias, conhecer e visitar. Como era participante da igreja, isso contribuiu para receber o convite para se tornar diácono. Muitos deles, que participavam de reuniões de CPP em Florianópolis, incentivaram para que ele entrasse na escola diaconal e até padres que vieram para Guabiruba, que eram seus conhecidos ou foram colegas no seminário, como Dom Murilo Krieger. Até que em 1991, entrou na escola diaconal. O jubileu de prata de ordenação diaconal foi celebrado em setembro de 2021 na igreja matriz Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

“Quando tínhamos menos padres na paróquia, fazia muitos casamentos, batismos e exéquias”, relata. 

Acerca da fé, o diácono diz que se baseia muito nas virtudes teologais: a fé, que para ele é acreditar não só em Deus, mas também no homem; a Esperança, que tem nos acontecimentos de agora que trazem um futuro melhor; e a Caridade, porque não existe fé sem caridade. 

“Fé para mim é acreditar que vale a pena viver, sem nunca perder a esperança e viver para o outro. Pra mim, Deus coloca você ou outra pessoa no meu caminho, como anjos da guarda. Acredito que alguém sempre está ali nos protegendo, alertando”. 

Para falar da esposa, o professor cita um trecho bíblico de uma carta de São Paulo, em que a palavra “suporte”, no sentido de dar apoio, é citada. É isso que acredita fazer no dia a dia do seu casamento, que completa 59 anos no próximo dia 23 de fevereiro.

Para o diácono, a família é tudo. Ele diz ser feliz com a grande convivência entre o casal e os filhos Carmem, Karin, Álvaro e Emiliano. “Estamos sempre a serviço uns dos outros. Sou feliz pela família que tenho. Nós não fizemos esforço nenhum, foi natural, eu digo a ela (esposa)”, conclui.

Pandemia e rotina

A pandemia de Covid-19 também mudou a rotina do diácono. Ele fala que tem saído muito pouco em relação aos trabalhos que também fazia na paróquia Santa Terezinha, no bairro de mesmo nome, e nos bairros Limeira e Planalto, em Brusque. “As pessoas pediam para fazer os casamentos e gostavam da forma como conduzia as cerimônias”, revela. 

O diácono também conta que as cerimônias de exéquias o desgastam emocionalmente, principalmente quando são amigos e ex-alunos. “Eu acredito na importância de estar a serviço das pessoas. Morre só aquela pessoa que nós perdemos a história. A pessoa vive enquanto a sua história está viva”, afirma ele, que costuma rezar o terço à noite com a esposa. 

Depois de um telefonema do bispo Dom Wilson Tadeu Jönke, ele parou de fazer celebrações para seguir as regras de distanciamento e cuidados. O bispo sugeriu que ele ficasse em casa também, para dar o exemplo para a comunidade. 

Atualmente, a rotina do aposentado começa no mesmo horário dos tempos das salas de aula. Acorda por volta das 5h, mas ao invés de sair de bicicleta para as escolas, recolhe os ovos das galinhas que tem na sua propriedade. Depois de tomar o café da manhã, Edinalte fica na sua parte preferida da casa, que é “da cozinha para traz”. É onde ele passa a maior parte das horas, quando não tem compromissos como diácono.