Em fevereiro de 1965, Brusque e toda sua região ganhou um contribuinte para o registro da história cotidiana de importantes personagens. Saulo Adami declara seu amor pela literatura ao dedicar sua vida ao registro da história de seu povo.
O escritor é filho dos comerciantes Teresa Conte e Luís Avaní Adami, irmão de Karina Adami. Se casou em 2011 com a paranaense Jeanine Wandratsch Adami e mora em Curitiba desde então.
Saulo tem o ensino médio incompleto, mas já publicou 123 livros entre outras obras para teatro e cinema.
Guabiruba Zeitung: Quem é Saulo Adami?
Saulo Adami: Nasci escritor e escrevo para viver. Na escola primária, quando alguém perguntava o que eu queria ser quando crescesse, a resposta era uma só: escritor. Jamais busquei atalhos na longa estrada de papel. Lancei o primeiro livro aos 17 anos (Cicatrizes, 1982), de poesia, conto e crônica; montei a primeira peça teatral aos 10 anos. Aos 55 anos, tenho 35 peças teatrais montadas, 20 documentários para cinema, 123 livros publicados. Permaneço apaixonado pela escrita; às vezes domo, outras vezes sou dominado por ela. Ativo e criativo, vigilante e autocrítico, sou cada vez mais seletivo, mas não tenho planos de parar.
GZ: Você atuou por 20 anos como jornalista, como a oportunidade surgiu?
SA: Em 1980, colaborava com jornais literários de Itajaí, pois desde os nove anos de idade escrevia crônicas, contos e peças teatrais. Dominava a língua portuguesa e tinha velocidade para trabalhar, por isso a crônica jornalística foi importante para me desenvolver. A primeira oportunidade como redator veio em 1983: uma coluna para o semanário Agora, de Fernando Almeida, em Brusque.
Na Rádio Araguaia, escrevia roteiros, produzia e apresentava os programas O Artista da Terra Pede Passagem e Geração Jovem Guarda e a sessão Bastidores da Sétima Arte, no programa do Luiz Augusto Wippel Filho, A Tarde é Nossa. Foi quando recebi convite para ser repórter na sucursal do diário O Estado, gerenciado por Maig da Silva. De 1990 a 1999, atuei como assessor de comunicação social de sindicatos de trabalhadores, só parei de escrever para jornais em 2017: editei o semanário Em Foco Regional (Brusque), de Adriana Moraes.
GZ: Como se deu a transição de repórter de jornais para autor e editor de livros?
SA: Foi tranquila e natural, considerando que meu principal objetivo era ser autor de livros. Antes de escrever e publicar obras sobre cidades, entidades e biografias, fui repórter das sucursais de Brusque dos diários O Estado (Florianópolis), Jornal de Santa Catarina (Blumenau) e A Notícia (Joinville), cobrindo o dia a dia de Brusque, Guabiruba, Botuverá, Vidal Ramos, Presidente Nereu, Nova Trento, São João Batista, Major Gercino, Canelinha e Tijucas, e escrevi cadernos especiais, o que me levou a conhecer suas histórias. A convite de Ligia Maria de Oliveira, redigi e editei a Folha de Guabiruba (1987). Editei ainda dois jornais diários que circularam em Guabiruba: Diário Brusquense (1996-1998) e O Município (2002).
GZ: Quais motivos o trouxeram para Guabiruba?
SA: Desde criança, morei no Arraial dos Cunhas, Itajaí, onde meus pais tinham comércio: armazém de secos e molhados, bar, cancha de bocha e salão de sinuca. Com o desenvolvimento da região, algumas empresas se estabeleceram próximas da nossa casa, decidi procurar um lugar mais tranquilo.
Como percorri o interior de Guabiruba na década de 1980 como repórter, com a ajuda do meu amigo Haroldo Esteves comprei um sítio no Sternthal (2005), onde construí uma casa pequena e morei até meados de 2011. Além de obras sobre a história regional, foi lá onde escrevi obras de ficção, como a tetralogia Kuranda.
GZ: Qual a sua contribuição ao resgate da memória histórica regional e de Guabiruba?
SA: Ao encerrar a carreira de jornalista profissional, procurei alternativas para sobreviver da escrita, escrevi e editei livros sob encomenda. Entre meus clientes estavam municípios ao redor de Brusque – alguns emancipados do seu território –, que não tinham sua história contada em livro. Listei os municípios e fiz contato com as prefeituras, oferecendo meus serviços. O primeiro a responder foi Heinz Stoltenberg, para quem escrevi o livro Paisagens da memória: a criação do município de Vidal Ramos (2004).
Criei a S&T Editores no mesmo ano, e fui contratado pela família Boos para escrever a história de seu patriarca, o professor de primeiras letras, vereador – que criou os municípios de Guabiruba e Botuverá – e primeiro prefeito eleito de Guabiruba: Carlos Boos nunca soube dizer não! (2005).
A este livro, seguiram-se outros quatro: Para sempre na memória: a história da Festa dos Motoristas e a construção da Capela São Cristóvão (2007; 2014, 2ª edição), Vocação para o trabalho: Kohler & Cia. – 60 anos de uma história construída em família (2009), Guabiruba de todos os tempos (2010) – com Tina Rosa – e Eu sou Anselmo Boos (2010), com Anselmo Boos e Gênice Suavi.
GZ: O que o levou a sair de Guabiruba?
SA: Saí do Sternthal em maio de 2011, depois do divórcio, por minha iniciativa. Dia 3 de junho, na Galeria de Arte de Balneário Camboriú, no lançamento do meu livro Kuranda do Norte (2011), conheci a psicóloga paranaense Jeanine Wandratsch, com quem me casei em 21 de dezembro do mesmo ano. Desde então, moro em Curitiba, onde faço parte do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, fundado em 1900, e do qual sou diretor de biblioteca e membro do conselho editorial do Boletim.
GZ: O trabalho de pesquisa histórica se tornou mais importante diante de tantas teorias e discussões sobre fatos históricos terem ocorrido ou não, como a Ditadura Militar?
SA: Este trabalho sempre foi importante, mas nem todos os profissionais com formação em História, ou os dirigentes políticos, deram a ele a devida importância ou atenção. Se olharmos para os primórdios da produção de livros com a memória histórica de Guabiruba e região, veremos que são raros os profissionais formados pelas faculdades de História que contribuíram para a preservação ou difusão da memória local ou regional.
Se por um lado faltou interesse por parte das administrações públicas, também faltou iniciativa por parte de alguns profissionais em contribuir com a memória local ou regional, independentemente de serem contratados ou não para este fim. Guabiruba deve muito ao interesse e à iniciativa – sem cobertura financeira de governos municipais – do historiador nato Ayres Gevaerd (1912-1992). Assim como eu, seu Ayres gostava de ouvir, coletar e preservar histórias do cotidiano. Nunca foi pago para isso, e este tipo de inspiração e iniciativa em prol da memória de nossas aldeias, é que faz falta hoje em dia. São poucas as pessoas que querem de fato fazer algo por sua comunidade, com ou sem dinheiro.
GZ: Quais ações você acha que poderiam ser tomadas para incentivar estudantes mais novos a ler mais e se interessar pela história de seu município e região?
SA: História local deveria ser matéria ensinada desde o primeiro ano do ensino fundamental. Assim como política, economia doméstica, filosofia… Em Itajaí, o professor de primeiras letras Manoel Ferreira de Miranda, conhecido como Manoelzinho, criou um liceu e escreveu Aprendiz Guarda-Livros, obra publicada pela primeira vez na década de 1910, que ensinava teoria e prática de economia doméstica.
Era um tempo no qual meninos e meninas de nove ou 10 anos de idade trabalhavam fora para incrementar a renda familiar. Minha mãe, aos seis anos de idade, trabalhava como cuidadora de crianças menores. Sinto falta de concursos literários nas redes municipal, estadual e particular de ensino, como acontecia em Brusque e Itajaí nas décadas de 1980 e 1990: festivais de inverno, concursos de poesia, contos e crônicas, que são relativamente baratos de realizar. Hoje em dia, é muito mais barato publicar livros do que o era há 20 ou 30 anos atrás, além das facilidades de auto publicação. É preciso sensibilidade, o que poucas autoridades têm.
GZ: O que mais decepcionou e o que mais alegrou você, em sua profissão?
SA: A maior decepção foi constatar, logo nos primeiros tempos do jornalismo prático, que imprensa livre não existe, como diz o jornalista Mauro Miranda. O que mais me alegrou foi realizar meu sonho de criança: ser um escritor profissional e disponibilizar às bibliotecas e aos arquivos públicos e particulares obras que nasceram da inspiração ou de pesquisas. Sem para isso vender minha alma ou minha consciência.