A brusquense, que há sete anos mora em Guabiruba, no bairro São Pedro, é jornalista por formação e ativista na área do autismo por amor. Guedria Baron Motta, 37 anos, é filha de Jaci Baron e Isair Motta e mãe de David e Daniel.
Casada com Nilson Burg, possui cinco irmãos: Luís Carlos (in memorian), Charles, Graziela, Anderson, Andressa e Adrieli.
A jornalista que sempre expressou muito bem as histórias dos outros e as próprias com a escrita, não tinha a mesma desenvoltura no trato social. Ao buscar informações e conhecimentos para auxiliar os filhos com o espectro autista, encontrou a si própria.
Atualmente, preside a Associação de Pais e Amigos dos Autistas (AMA) de Brusque, que também acolhe os autistas de Guabiruba e escreve constantemente sobre o assunto em suas redes sociais.
Guabiruba Zeitung: Como você define o Transtorno do Espectro Autista?
Guedria Baron Motta: É um transtorno de desenvolvimento que surge na primeira infância e pode ser observado até o terceiro ano de vida. Sua base está em comprometimentos nas áreas de comunicação, interação social, movimentos repetitivos ou interesses restritos. Está dividido em níveis: leve, moderado e severo. A intervenção terapêutica deve iniciar o quanto antes e as abordagens mais necessárias são: terapia ocupacional com integração sensorial, fonoaudiologia, psicologia ou psicopedagogia (de preferência vinculadas ao modelo ABA). Através das terapias, a criança tem a oportunidade de caminhar entre os níveis do espectro, deixando as características mais severas e assumindo comportamentos leves, o que garantirá menos dependência escolar e autonomia para o mercado de trabalho.
GZ: Como foi o processo de diagnóstico do autismo já na fase adulta?
GM: Foi um processo libertador. Uma descoberta que explicou muitas coisas. Opero de um modo diferente desde a infância, marcada pelas altas habilidades e isolamento social. Era ótima em todas as matérias escolares, mas péssima para fazer e manter amigos. Ainda na infância vivenciei os primeiros episódios da Síndrome do Pânico, algo comum para quem experimenta emoções de forma desproporcional e não recebe nenhum tipo de estimulação ou ajuda. Desde criança tenho frequentado sessões de psicologia, mas sem nenhum resultado. Os transtornos mentais aumentaram com as mudanças de demanda, já na vida adulta. Eu era extremamente magra e mantinha interesses profundos em temas específicos. O que me despertava atenção não podia ser conhecido apenas de modo superficial.
Tratava sem cessar a gastrite, sem entender que a causa de tamanho desconforto estava relacionada com transtornos mentais. Não resisti à mudança provocada pelo casamento e, seis meses depois, enfrentei a maior crise de todas, uma impotência que me impedia de sair de casa e me fazia experimentar sentimentos de morte latente várias vezes ao dia. Então, finalmente cheguei ao diagnóstico de Síndrome do Pânico e à necessidade de ser medicada de forma crônica. Minha vida melhorou muito desde então, o que inclui uma especialização em jornalismo feita na PUC/PR, na qual precisei dirigir até Curitiba todos os finais de semana, por dois anos. O remédio me trouxe qualidade de vida.
Com a descoberta de autismo do meu filho mais velho, o Davi, há quase cinco anos, eu comecei a ler mais sobre TEA e, por diversas vezes, cruzei os sintomas com aquilo que eu já conhecia e vivenciava. Estando o autismo, em mais de 80% relacionado com questões genéticas, era bem provável que eu também estivesse dentro do espectro. Depois nasceu o Daniel, também autista, e as certezas apenas aumentaram. Durante 2019 cursei uma especialização em TEA por puro interesse em conhecimento e, ali, tive a certeza de que também sou autista. Sinto os efeitos do transtorno de um modo diferente dos meus filhos, assim como eles também apresentam características diferentes entre si, o que é algo natural, por se tratar de um espectro.
Meu laudo de autismo veio no fim de 2019 com um sentimento de libertação. Antes dele, sentia como se eu tivesse nascido com “defeito de fabricação”. Ainda hoje, no trato social, nem sempre as pessoas me interpretam da forma correta e isso me trazia muito sentimento de culpa. É triste ouvir que alguém me detesta e procurar sem resposta no meu cérebro o que eu fiz de mal para determinada pessoa. Eu chego, penso, reflito… e não encontro nada. Mas certamente ela se zangou por algo que eu disse, fiz, ou deixei de dizer ou de fazer por pura falta de atenção e, principalmente, de intenção.
No aspecto profissional, algumas pessoas já manifestaram abertamente o desejo de não ser atendida por mim. É algo que não acontece com as demais colegas de trabalho. E isso é muito triste porque não está relacionado com imperícia profissional, mas, exatamente, com aspectos sociais e a forma como as pessoas interpretam meus sinais de maneira equivocada.
GZ: O que não dizer para pessoas com TEA?
GM: Bom, se você não entende nada de autismo, é melhor não opinar. Ainda que você tenha conhecido outro autista, o que funciona para um não funciona para outro. Então, não trate experiências breves como verdades absolutas. Eu, particularmente, não gosto de papos sobre ser “vontade de Deus”, sobre “Deus dar a cruz só para quem consegue carregar” ou “autista é um anjo azul”. Acho que a maioria das famílias não se importa e até se conforta com isso. Eu detesto. Prefiro deixar Deus fora dessas questões. Somos apenas uma família, com alegrias e tristezas, como todas as outras. Onde o mundo enxerga cruz, eu vejo redenção.
GZ: Há muitas dificuldades no processo de conscientização sobre o autismo no país, mas como você enxerga esse processo em nossa região?
GM: Acho que as pessoas têm curiosidade e o preconceito, quase sempre, está relacionado com a falta de informação. Por onde passo, construo pontes. Apesar de a ciência estar trabalhando no mundo inteiro em busca de respostas, o número de crianças com autismo aumenta. Apesar de termos leis sobre adaptações escolares desde 1996, na prática ninguém sabe ao certo o que fazer. O sistema é deficiente e não há outro caminho além de colocar alguma solução para funcionar ainda em 2020. É por isso que assumi a presidência da Ama Brusque, que também acolhe as pessoas com autismo de Guabiruba. Já mantemos dois grupos de apoio pelo WhatsApp e a expectativa é iniciar atendimentos terapêuticos gratuitos para autistas em vulnerabilidade social. Para isso, dependemos de políticas públicas e da parceria com o Executivo e a iniciativa privada.
GZ: Qual é o principal desafio em ser mãe e empreendedora e ainda defender os direitos das pessoas com TEA?
GM: Acho que o desafio é a impotência, a vontade de fazer mais pelos outros e, nem sempre, conseguir. É triste ouvir uma mãe em vulnerabilidade, que não tem conhecimento e nem recursos para investir em terapias particulares para o desenvolvimento do filho. É triste ouvir os desabafos de famílias quando a escola se apresenta como um ambiente inóspito, sem nenhum conhecimento ou, ao menos, vontade de fazer a educação inclusiva acontecer. No entanto, diante dos desafios, a gente não se lamenta. A gente se ergue, grata pelo conhecimento que nos permite fazer algo pelo outro.
O que você espera para o futuro do nosso país?
Eu não sei se a solução virá do poder público. As leis que amparam a pessoa com deficiência não são ruins, mas é difícil de ser suportada pela base. Ainda assim, o que gostaria de ver dos agentes públicos era, ao menos, um comprometimento em fazer alguma coisa. Queria que eles perdessem um pouco de tempo para ouvir as demandas e refletir de que forma poderiam contribuir. No entanto, às vezes sinto que até o diálogo intimida. Talvez investir em terapia, cujo resultado será visto apenas alguns anos depois, não atraia eleitores. Mas, certamente, é decisivo para a capacitação e o ingresso dessa pessoa ao mercado de trabalho. Seria bom encontrar nos agentes públicos o interesse de fazer a diferença para além dos quatro anos de mandato. Hoje, o que pra mim é real, é o valor que as pessoas contribuem em um pedágio em sinaleira, é uma psicóloga com algum tempo livre que se oferece para atender gratuitamente, é o empresário que doa algum valor porque acredita na causa.
Quais seus sonhos?
Eu sonho com a criação de um centro de habilitação para pessoas com autismo, onde as terapias de estimulação sejam acessíveis e gratuitas para todos. Eu sou brusquense, escolhi morar em Guabiruba há alguns anos, eu vivo com dignidade da minha profissão em cidade do interior e nunca quis sair daqui porque acredito nesse cantinho de Brasil que funciona. E eu acredito que posso realizar meu sonho aqui, com a ajuda de quem se importa também. Saber que 80% das crianças com autismo estão sem terapia porque a família não tem condições de pagar um atendimento particular é algo que não pode incomodar apenas a mim. E eu convido os interessados a caminhar e dialogar conosco, em busca de uma solução. Qualquer pessoa interessada em nos ajudar nesta causa pode ligar para (47) 99999-0138.