A felicidade no olhar a cada lembrança que vem à mente ainda hoje move à rotina do guabirubense Euwaldo Habitzreuter a destino daquela que se tornou a sua segunda, e muitas vezes, primeira casa.
Aos 85 anos, ele conhece como ninguém cada pedacinho de um dos lugares mais emblemáticos de Brusque, a Villa Quisisana. O famoso casarão foi construído com a assinatura de um arquiteto alemão, entre 1932 e 1934, a pedido de Edgar Von Buettner, empresário fundador da empresa que leva seu nome, quando ele, a esposa Idalina e as duas filhas: Íris Renate e Edelgard Gerda se mudaram para o palacete.
Hoje, Habitzreuter se tornou uma lenda viva para contar a história de um dos locais mais charmosos da cidade vizinha. São 65 anos de uma rotina que ainda é única para aquele que se tornou o verdadeiro guardião do casarão e dos segredos do “palácio” que fica ao lado do Colégio Feliciano Pires.
Memórias do passado e do presente
A história de Habitzreuter com a Villa Quisisana começou em 16 de novembro de 1955, numa época bem diferente da atual. De família humilde, o jovem, então com 20 anos, iniciou os trabalhos fazendo serviços de jardinagem para ajudar no sustento da família, composta pela esposa Maria Lídia Fischer Habitzreuter, sogra, dois cunhados, e seis filhos.
Mário Habitzreuter, um dos filhos de Euwaldo, lembra que, àquela época, o que o pai ganhava mal dava para sustentar a família. Enquanto o patriarca trabalhava dia e noite no casarão, sua esposa (Maria Lídia) trabalhava na roça com as crianças. Eles chegavam a vir até Brusque de carroça para fazer a troca por alimentos que não podiam ser colhidos.
“A profissão de jardinagem era muito pouco reconhecida, diferente de quem trabalhava na fábrica”, comenta Mário, que foi funcionário da Buttner de 1978 a 2015. “Às vezes a gente passava fome”, completa Euwaldo, que, junto com o filho, lembra de anos ruins na colheita, ocasionada por trovoadas, frio intenso e outras intempéries que prejudicava a produção.
Eram tempos difíceis, em que a família tinha que plantar tudo para poder comer. Em paralelo, em meio às próprias dificuldades da família, pai, e depois o filho, viram de perto a ascensão e, posteriormente, a derrocada de uma das principais empresas da história da cidade. Melhor para o pai, que, mesmo com toda a crise que abalou a Buttner, viu preservado um dos principais patrimônios da família e, ainda hoje, mantém a mesma rotina de mais de seis décadas.
Uma história ainda oculta daquele que, com o tempo, virou o homem de confiança da família: Euwaldo tratava das galinhas, dos marrecos e codornas, além de outros animais na chácara localizada atrás do casarão. Ainda sobrava tempo de cuidar dos cachorros que ficavam na parte da frente do edifício. Ele limpava a piscina, calçada e, em muitos momentos, também era o garçom da família. “Eles sempre me avisavam para trazer uma roupa melhor, porque à noite vinha visita importante”, lembra o homem fiel da família, que se orgulha de, em 65 anos, nunca ter apresentado um atestado.
Por trás do glamour
Euwaldo Habitzreuter recebeu a reportagem do Jornal Guabiruba Zeitung há cerca de de dias. Emocionado, contou a nossa reportagem uma realidade que poucos conhecem e que poderia se tornar daqueles enredos de grandes histórias. Com os olhos cheios de lágrimas, ao lado do filho, Mário, lembrou dos mais variados episódios vividos no local. Sempre com um sorriso no rosto, orgulhoso por, a cada dia, fazer parte da história da cidade.
História essa que virou homenagem na Câmara de Vereadores. Atendendo a uma proposição do Legislativo brusquense, ele recebeu uma moção de homenagem após indicação do vereador Cacá Tavares (Podemos). O parlamentar conheceu a bonita história através de Adilson Vohs, namorado da neta de Euwaldo. Ele é produtor e fez um minidocumentário independente para contar um pouco mais da trajetória do guardião do casarão. Também acabou homenageado pela obra na sessão de 17 de maio do legislativo brusquense.
Não faltou emoção para Euwaldo, esposa, filhos e toda a família, conforme relata Mário. “O casarão representa a própria história de vida dele. Ele viveu mais tempo aqui, do que com a esposa e filhos. Saia de manhã e voltava somente à noite, e isso até hoje”, observa.
Todos os dias, Euwaldo sai de casa para fazer o mesmo caminho, rotina que se repete há 65 anos. Atualmente, a bicicleta deu lugar ao ônibus, os caminhos intransitáveis, cheio de barro e barreiras, deram lugar às estradas asfaltadas. O percurso entre Guabiruba e Brusque também foi envolto pelo comércio e ganhou prédios modernos. As cidades se desenvolveram como nunca, ao mesmo tempo em que o guardião da Villa Quisisana viu cada transformação, não somente no trajeto entre as duas cidades, mas principalmente em cada cantinho do lugar que ainda hoje é o seu habitat natural. Afinal, ninguém cuidou tanto desse patrimônio catarinense como Euwaldo Habitzreuter.
A Villa Quisissana hoje
Ainda hoje, poucas pessoas são autorizadas a entrar na Villa Quisisana. Além do guardião, que cuida da manutenção da casa, o local também conta com um administrador, que faz visitas constantes ao patrimônio. Atualmente, o casarão pertence aos filhos de Íris Renate Von Buettner Pastor, Edgar e Herbert, o primogênito, além de Taís, viúva do terceiro filho, Bruno, já falecido.
A filha de Edgar com Idalina foi casada com o alemão Gotthard Oskar Pastor. Íris o conheceu na Alemanha, após a morte da mãe, menos de um ano depois da construção da Villa Quisisana. Casou em Brusque em 1937, se estabeleceu na Alemanha posteriormente e só retornou a Brusque com os filhos no fim da década de 40 para viver definitivamente no palacete, que até então era ocupado pela irmã Edelgard Gerda. Viveu no local até 1999, dez anos após a morte de Gotthard Oskar Pastor, aos 86 anos. Desde então, morou por 18 anos em Itapema até falecer aos 102 anos no litoral catarinense.