Pois é, amigos, parece que o Brasil tem uma relação bem peculiar com a palavra “anistia”. Dependendo de quem está pedindo e quem está concedendo, ela pode ser vista como um ato de justiça histórica ou como um absurdo inaceitável. E os acontecimentos recentes nos mostram exatamente isso.
De um lado, temos a Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos aprovando por unanimidade o pedido da ex-presidente Dilma Rousseff, concedendo-lhe o status de anistiada política e uma indenização de R$ 100 mil. Do outro, temos parlamentares lutando para conseguir anistia para os envolvidos nos eventos de 8 de janeiro de 2023, enfrentando uma resistência ferrenha.Vamos aos fatos: Dilma participou de organizações armadas que combatiam o regime militar. Sim, ela foi torturada e isso é condenável sob qualquer perspectiva humana. Mas convenhamos, ela integrava grupos que defendiam a luta armada contra o Estado.
Em qualquer manual de direito penal do mundo, isso tem um nome bem específico.Enquanto isso, os manifestantes de 8 de janeiro, em sua maioria pessoas comuns sem histórico criminal, estão sendo tratados como se fossem a maior ameaça à democracia brasileira desde a ditadura. Muitos estão presos há mais de dois anos, sem julgamento concluído, por terem participado de protestos que, sim, saíram do controle, mas não tinham o aparato nem a organização necessária para derrubar um governo. A disparidade de tratamento é gritante.
Para uns, anistia, reconhecimento e indenização. Para outros, prisões preventivas intermináveis, penas desproporcionais e o rótulo permanente de “terroristas” e “golpistas”. Não estou aqui defendendo vandalismo ou depredação do patrimônio público. Quem quebrou, que pague. Mas daí a enquadrar pessoas comuns como golpistas, com penas mais duras que as aplicadas a assassinos e traficantes, vai uma distância enorme.
O mais curioso é que os mesmos que hoje celebram a anistia de Dilma como um ato de justiça histórica são os que se opõem veementemente a qualquer discussão sobre anistia para os manifestantes de janeiro. E os que hoje defendem anistia para esses manifestantes provavelmente teriam se oposto à anistia de Dilma em outros tempos. É o Brasil da dualidade de critérios, onde a justiça parece ter dois pesos e duas medidas, dependendo da coloração ideológica de quem está no poder e de quem está sendo julgado. Se anistia é um instrumento de pacificação social, como muitos defendem, então que seja discutida com seriedade para todos os casos, sem viés ideológico. Se é um instrumento de justiça histórica, que seja aplicada com os mesmos critérios para todos.
O que não dá é para continuar fingindo que não vemos a contradição gritante entre celebrar uma anistia enquanto se condena outra, baseando-se apenas em simpatias políticas. Ou anistia é um valor democrático para todos, ou não é para ninguém.