“É triste, revoltante e complicado. Eu tinha 19 anos e fazia academia. Estava no meu melhor momento. Tinha planos. Me passaram uma rasteira. Dali para frente acabou. Nunca recebi nada, nem as despesas que a minha família teve para cuidar de mim. Com a explosão e tudo que veio depois, toda a injustiça, me transformei em uma pessoa diferente. Para ver as coisas todas erradas, era melhor ter morrido naquele dia”.
O desabafo é de Ricardo Sandri, único sobrevivente do incêndio ocorrido no Auto Posto São Lucas, bairro Guabiruba Sul, na manhã de sábado, 14 de novembro de 2009. As demais vítimas da explosão, Romuniz Manoel Thomaz (36), Clovis Matheus Pereira (33) e Luiz Antônio de Moura (31) – que trabalhavam em uma empresa de Barra Velha (SC) e realizavam uma manutenção no local – morreram no mesmo dia.
Sandri teve 70% do corpo queimado. Inicialmente, foi atendido no Hospital Azambuja e, alguns dias depois, transferido para Curitiba (PR), onde permaneceu mais de três meses. Depois de um ano ficou internado cerca de um mês por conta de uma cirurgia nos braços. As cicatrizes da tragédia ainda estão espalhadas pelo seu corpo, mas para ele, a pior delas é o “sentimento de injustiça” que vive desde o momento da explosão.
Sandri entrou com processos judiciais contra o Posto reivindicando pensão alimentícia, danos morais e estéticos. “Até hoje não recebi nada. Nem as despesas que a minha família teve. Nunca mais foi a mesma coisa. Nesses quase 10 anos foi tombo em cima de tombo. Na época, precisava muito. Tirar sustento de onde? Nós passamos bastante apurados, como se diz. Nem meu pai podia trabalhar, pois tinha que cuidar de mim”, conta.
Nesses 10 anos, Sandri seguiu a vida com ajuda da família. Atualmente, vive com Gislane Puhler, 40 anos, que conheceu no trabalho. Ela é de Blumenau (SC), mas já morava em Guabiruba na época da explosão.
“Soube quase na mesma hora. Lembro como se fosse hoje. Era um dia lindo de sol e tinha visita lá em casa. Estávamos comemorando alguma coisa. Todos estavam sentados na grama conversando e de repente veio a notícia. A gente nunca imagina que algo desse tipo pode acontecer onde moramos. Tão perto. Todo mundo começou a rezar pelas pessoas e pedir a Deus que as protegesse. Eu não conhecia o Ricardo ainda”, recorda ela.
Sandri nunca esqueceu aquele dia. Lembra que ia visitar a avó em Indaial (SC), por isso foi ao posto. “Quando cheguei estavam esticando uma mangueira. Entrei na loja e peguei um Chocoleite. Mostrei para o caixa, pois iria pagar junto com o combustível. Comecei a conversar com o frentista. Quando estava abrindo o chocoleite escutei um barulho. Olhei para trás e vi o jato. Pensei em correr, mas aí explodiu e veio o fogo. Foi tudo muito rápido. Não tem muita coisa para contar, foi o que aconteceu”, detalha.
O sobrevivente não faz planos para o futuro, mas não esquece o passado. Lembra da explosão todos os dias. “Antes eu vivia um pânico constante. Vivia achando que iria acontecer alguma coisa, o tempo todo. Fiquei bem perturbado. Às vezes, eu andava na rua e as pessoas olhavam com nojo. Eu via suas caras porque não sabiam o que eram as cicatrizes. Isso em parte chegou a ser pior do que a dor. É uma dor psicológica”, conclui.
Por outro lado
Inicialmente, os proprietários do Auto Posto São Lucas, Valdir Fachi e Nidia Teresinha Compiani Fachi, foram condenados às penas de um ano e nove meses e dez dias de detenção, em regime aberto. A sentença foi proferida pelo juiz Edemar Leopoldo Schlosser.
Porém, em outubro de 2014, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) aceitou recurso e os absolveu por unanimidade pela responsabilidade das mortes e lesões causadas pela explosão. “O processo foi encerrado, sendo os proprietários do posto absolvidos em razão da inexistência de culpa, sendo a culpa exclusiva de terceiros, que na época realizavam serviços no local”, explica o advogado Lucas Fachi, que atualmente representa processualmente os proprietários.
Questionado sobre os processos movidos por Sandri e se após a explosão ele teria recebido algum valor ou apoio por parte dos proprietários do posto, o advogado afirma que a vítima recebia benefício do INSS. “Entramos em contato com os advogados dele diversas vezes para tentar um acordo, entretanto, não houve ainda conclusão. Além disso, a perícia realizada no processo por um profissional especializado e designado pelo juiz, atestou que a vítima já está apta ao trabalho”, ressalta.
Na conversa com o advogado, o Guabiruba Zeitung também perguntou sobre a documentação do posto, se estava em dia na época da explosão e atualmente. “Na época dos fatos o Auto Posto São Lucas possuía todos os alvarás necessários para o pleno funcionamento em Guabiruba, fato este que favoreceu o reconhecimento de inocência quanto a ocorrência do acidente”, frisa.
Fachi também comentou sobre os processos envolvendo as demais vítimas da tragédia. “As famílias das outras vítimas do infortúnio que foram contratadas para realizar apenas a manutenção das bombas, também ingressaram com ações judiciais contra os proprietários do posto de combustível, porém a justiça entendeu que a culpa do acidente não foi do Posto, e negou a Ação com base na responsabilidade exclusiva da empresa LR Comércio de Peças e Bombas de Gasolina Ltda-ME, de propriedade das vítimas”, detalha.
Posto é interditado pela Prefeitura
Em junho deste ano, o setor de Tributação da Prefeitura de Guabiruba entrou em contato com os proprietários do Auto Posto São Lucas, e com o escritório de contabilidade que o atende, por conta da falta de pagamento de impostos e do Alvará de Localização vencido desde 2017. Como a situação não foi regularizada, o estabelecimento foi notificado em 11 de julho. “A notificação foi entregue, após diversas tentativas, em mãos para o gerente”, ressalta a fiscal de Tributos, Gisélia Lúcia Soares.
Em 6 de agosto, o Posto foi autuado e multado pelos fiscais. “Nesta ocasião entregamos o documento para a proprietária, em Brusque. Foi dado o prazo de 20 dias para regularização das pendências”, detalha.
Como a situação permaneceu a mesma, os fiscais expediram um Parecer Tributário e interditaram o Posto na manhã de 11 de setembro, por prazo indeterminado. “Além das pendências tributárias, o estabelecimento também não estava em dia com o Corpo de Bombeiros (a situação já foi regularizada) e com órgãos ambientais. Para o momento da interdição formamos uma equipe com profissionais de vários setores”, explica o fiscal de Tributos, Evandro Harasimow.
De acordo com ele, o histórico do Posto na cidade contribuiu para a medida. “Nosso objetivo além de justiça tributária é também proteger a população”, finaliza o fiscal.
Assim que as pendências com o Município forem regularizadas a empresa será reativada. A expectativa do Setor de Tributação é que isso aconteça já nos próximos dias. Atualmente, o setor conta com quatro fiscais, que acompanham a situação de todas as empresas instaladas no município.