Seis pessoas de Guabiruba filtram o sangue por meio de um rim artificial três vezes por semana via Sistema Único de Saúde (SUS). Quatro delas vão na clínica próxima ao Hospital Azambuja às terças, quintas e sábados. Outros dois às segundas, quartas e sábados. A quantidade de horas na máquina depende do estado de saúde de cada um. Há ainda uma sétima pessoa que realiza o procedimento em casa, no bairro São Pedro, após ter conseguido a máquina devido às condições de saúde em que se encontrava.

A rotina do grupo que vai até Brusque é parecida. Próximo das cinco, o motorista sai com a doblô para buscá-los em suas casas. A primeira parada é na rua Otto Lofhagen, no Centro, para a entrada de uma mulher com pouco mais de 50 anos. Ela carrega um mimo para o motorista lanchar mais tarde. Carrega também um grande inconformismo pela situação, suavizado somente com o incentivo das filhas que a fizeram seguir o tratamento.

Em seguida, o condutor, que há cinco anos trabalha na Secretaria e cobre as férias do colega nesta viagem, vai para o Lageado Baixo. No bairro, mais três pessoas embarcam no veículo. Todas têm entre 53 e 62 anos. Conversam sobre os resultados dos exames, os acontecimentos da última semana e como se sentem após a hemodiálise. Todos são unânimes em dizer que a aceitação do tratamento surge por ser a única alternativa. Não há outro caminho.

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A reportagem do Guabiruba Zeitung acompanhou a viagem e optou por não identificar os pacientes, mas o morador do bairro Lageado Baixo, Donizetti Jose Rodrigues, 62 anos, faz questão de mostrar o rosto e contar que apesar das desconfianças que possui sobre o tratamento e sua eficácia, é o que o tem deixado melhor. Uma das dificuldades apontadas por ele é permanecer sempre em casa. “A gente não pode fazer uma viagem, porque precisa estar aqui para fazer a hemodiálise”, pontua, ressaltando as dificuldades encontradas ao tentar fazer o procedimento em outro local.

Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia, as clínicas de diálise não só no Brasil, mas também em outros países, compartilham um sistema chamado hemodiálise em trânsito. Ou seja, se o paciente deseja viajar, a clínica dele entra em contato com as clínicas do local de destino, as informações são passadas e durante a estadia naquela cidade o paciente continua seu tratamento. Uma vez formalizado o processo entre as duas clínicas, o paciente poderá viajar.

No entanto, a burocracia tem dificultado que pacientes acionem o serviço. Eles têm optado por manter o tratamento na cidade do que arriscar a saúde em detrimento de alguma viagem.

Alta complexidade

A hemodiálise libera o corpo dos resíduos prejudiciais à saúde, como o excesso de sal e de líquidos. Também controla a pressão arterial e ajuda o corpo a manter o equilíbrio de substâncias como sódio, potássio, ureia e creatinina. Com isso, o paciente percebe uma melhora em alguns sintomas, como na falta de apetite, indisposição, cansaço, náuseas, dentre outros.

O procedimento é classificado de alta complexidade e por isso é custeado pelo Estado.  Conforme a secretária de Saúde, Patrícia Heiderscheidt, não há fila de espera para o tratamento e o município oferece o transporte aos pacientes, enquanto o Estado paga o procedimento e os medicamentos.

“O transporte para a hemodiálise é ininterrupto. Só domingos, Natal e Primeiro do Ano que não é realizado”, explica a secretária, lembrando que por isso os veículos da Secretaria de Saúde e os motoristas podem ser vistos em trânsito em qualquer dia, feriado ou não.

O transplante

Uma vez iniciado o tratamento, na maioria das vezes será necessário fazer hemodiálise para o resto da vida. Existem algumas situações em que os rins deixam de funcionar por um período curto e podem voltar a funcionar depois. Isto é mais comum de ser observado na insuficiência renal aguda. Na doença renal crônica é raro.

Dependendo das condições clínicas, uma das formas de sair da hemodiálise é o transplante. Foi o que viveu Marcos Padoani, 54 anos, que passou do banco de motorista para o de passageiros.

Morador do bairro Guabiruba Sul e há 21 anos motorista da Secretaria de Saúde, Marcos está acostumado a levar pacientes para tratarem diversas doenças, inclusive para realizarem hemodiálise. Em 2002, ele descobriu um problema no rim. “Quando eu era novo, tinha uns 18 anos, tive um problema no rim, uma inflamação. Fiz um tratamento de seis meses. Em 2002 eu passei bem mal durante a semana, fui ao hospital e lá descobri que precisava fazer hemodiálise. Por um ano eu frequentei a clínica. Ia para Brusque com os pacientes”, recorda.

Questionado se sofreu ao ser passageiro durante os 12 meses que fez hemodiálise, ele diz que a principal dificuldade era sentir sede. “Passar sede era o pior, mas eu agradecia por estar vivo. Por tudo que eu tinha passado, aquilo era uma vitória”, descreve.

Em 2003, após um ano de hemodiálise, o esposo de Elizabete Gonçalves Padoani e o pai do Leonardo, de 22 anos, recebeu um transplante de rim. “Na época eu peguei uma infecção de um fungo. Fiquei dois meses internado e quase perdi o transplante”, lembra ele ao destacar a importância da família para encarar esses momentos da vida.

Faz 16 anos que Marco Padoani recebeu um novo rim. Ele diz que a partir disso começou a voltar com a normalidade da vida. Parou de beber, fumar e adotou hábitos de vida mais saudáveis. Precisa se cuidar, tomar remédios, manter a imunidade baixa para que não haja rejeição do órgão transplantado, tomar bastante líquido e cuidar do sal. Ele saiu do banco de passageiros e assumiu novamente o posto de motorista, mas sabe que não é o mesmo. “Essa foi a maior luta da minha vida. Foi também um grande aprendizado. Me transformei em outra pessoa. Valorizo coisas que antes eu não valorizava”.

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