Foto: Albari Rosa/Ilustrativa

 

Doação de órgãos. Um gesto que salva muitas vidas, como a do apresentador de TV Fausto Silva, que precisou de um coração e comoveu o país ao agradecer a família do doador, gerando um aumento de doações em todo o país. 

Em Guabiruba, a secretária de Saúde Amanda Kormann destaca que há pessoas na fila por um transplante, assim como diversos casos de transplantados. “Não temos o controle dos números, pois essa parte não é de competência do município, mas acompanhamos e auxiliamos os pacientes na necessidade de fazer algum exame para entrar na fila e quando estão próximos do transplante, ficamos de sobreaviso. O município dá todo o suporte para que isso aconteça”, frisa. 

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Embora comum, a doação de órgãos ainda é um tabu para muitas pessoas e é preciso informação no sentido de estimular as doações e saber quando, quem pode doar e quais os órgãos podem ser doados. 

Em Santa Catarina, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde (SES) até julho deste ano, já foram realizados 980 transplantes no Estado. Porém, no mês de julho de 2023 eram registradas 1403 pessoas na lista de espera por um órgão, sendo que 755 pacientes aguardavam por um rim, órgão com maior número de espera, seguido de córneas, que somam 445; outros 73 por fígado; 35 medula óssea; 41 rim/pâncreas; 52 tecido ósseo; 1 coração e 1 pâncreas. Já em 2022, Santa Catarina chegou a 1.521 cirurgias de transplante e bateu o próprio recorde, também conforme a SES.

Neste sentido, é importante destacar quais os processos que ocorrem para que possa ser realizado um transplante, que é o procedimento cirúrgico que consiste em substituir um órgão doente por um órgão saudável. No Brasil, o Sistema Nacional de Transplantes é a entidade que coordena, regulamenta e normatiza os transplantes, e fica vinculado ao Ministério da Saúde. Regulamentação pela Lei 9434/1997, alterada pela Lei 10211/2011. “É importante frisar que no Brasil, o processo ocorre exclusivamente no setor público, executado dentro do SUS. A comercialização de órgãos é crime passível de penalidades judiciais”, lembra o  médico cirurgião, Fernando Luis Machado, membro da Associação Brusquense de Medicina – ABM , e atuante no Hospital Azambuja, de Brusque. 

Dois lados da doação 

O motorista Marcos Padoani (58), morador do bairro Guabiruba Sul, teve inflamação nos rins e em 17 de outubro de 2003 recebeu um rim saudável, em transplante realizado no Hospital São José, em Joinville (SC), aos 38 anos. 

Ele conta que foi chamado após um ano na fila e que após a cirurgia leva a vida o mais normal possível. “Preciso cuidar da alimentação e tomar os remédios na hora certa. São 20 comprimidos por dia e a cada quatro meses tenho consulta médica”, explica.  

Arquivo pessoal

Marcos diz que sempre pede a Deus que abençoe e ilumine cada vez mais o caminho da família do doador. “Para as pessoas que têm dúvidas em doar os órgãos, eu rezo pra Deus abrir a mente delas, para ver a grandeza desse ato de amor e ver que não é uma nem duas, mas várias pessoas que vão ter qualidade de vida de novo após a doação”, destaca. 

“É um sentimento triste na minha vida, porque eu não cheguei a conhecer a família do meu irmão doador. Espero que eles estejam bem. Uma coisa boa que aconteceu na minha vida é que arrumei mais um grande irmão de rim. É o João Paulo, que mora em São João Batista e recebeu o outro rim do meu doador. De vez em quando a gente se fala. É mais uma benção na minha vida”, completa. 

Já o vereador guabirubense Vilmar Gums, conhece de perto o outro lado dessa história. Há quase 10 anos, ele e a família precisaram assinar a autorização para doar os órgãos de sua primeira mulher, Marlete Gums, que aos 51 anos teve um Acidente Vascular Cerebral – AVC. De acordo com ele, ela já tinha manifestado o desejo de doar, mas os filhos inicialmente foram contra. 

“Tive uma conversa com eles e expliquei que ela queria ajudar famílias com a doação e eles concordaram. Precisava de minha aprovação, mais duas testemunhas, então estiveram comigo dois irmãos e suas esposas. Então assinamos os documentos. Foi muito doído na época fazer tudo isso, porque ela teve morte cerebral às 19h e levou mais de 12h para retirarem os órgãos”, recorda. 

Conforme Vilmar, oito pessoas foram beneficiadas com a decisão. “O coração foi para o estado de São Paulo, as córneas para Florianópolis e os demais órgãos (pâncreas, rim, fígado e pele ficaram em Blumenau”, conta. 

Vilmar conta que a esposa era uma pessoa muito querida junto a sociedade guabirubense. “Ela foi um dos primeiros registros de aniversário do nosso município, em 28 de julho de 1962. Se perguntar sobre ela aqui na nossa cidade só vai ouvir coisas boas dela, tanto que no velório a matriz estava lotada e ali cabem quase mil pessoas”, comenta. 

Já Vinicius Rafael Miranda Santos (13), do bairro São Pedro, precisou de um transplante de fígado aos 10 anos de idade. Filho único de Eliane e Adilson Miranda Santos, ele apresentou problemas de saúde desde que nasceu. Com um ano, apresentou problemas nas plaquetas e após um tempo de tratamento em Brusque foi encaminhado para Florianópolis. Aos três anos foram descobertos múltiplos cistos nos dois rins e uma “esteatose” no fígado e veio o diagnóstico de fibrose hepática, de modo que ele apresentava muita coceira pelo corpo e sangramentos diários no nariz. 

“Ficamos nessa luta e ele sempre piorando então levamos em uma médica particular em Blumenau. Ele já estava com uns sete anos e a médica explicou que ele tinha uma doença chamada Colangite Biliar Esclerosante, que acaba causando Cirrose Hepática. Que infelizmente não tinha o que fazer e quando piorasse só transplante”, conta. 

Arquivo da família


Segundo a mãe, o pai e um primo chegaram a fazer exames e eram compatíveis, porém a equipe médica não aprovou a doação por oferecer riscos aos doadores. 

No fim de 2019 Vinícius começou piorar e a médica avisou que ele precisava ir para a fila de transplante. O procedimento foi realizado no dia 3 de agosto de 2020, em uma cirurgia que durou 12 horas (das 7 às 19h). Os dias após o transplante foram muito difíceis para o adolescente, que voltou para o centro cirúrgico duas horas depois e permaneceu por mais seis horas. “Depois ficou intubado três dias, teve pneumonia, citomegalovírus, entre outras complicações. No dia 17 de outubro nos liberaram para vir para Guabiruba”. explica.

De acordo com Eliane, que fica em casa com o filho desde 2015 e faz trabalhos manuais, o sentimento para com a família do doador é de gratidão. “Sem o sim deles meu filho não estaria aqui. Hoje vejo quantas vidas uma ação dessa pode salvar. Muitos acham que transplante é a cura, mas às vezes é a última alternativa. Não tínhamos escolha. Para mim, o pior momento foi chegar na UTI e ver os médicos ao redor dele levando urgente por causa do sangramento, ele não tinha mais cor. Entrei em desespero. Mas Deus nos dá forças. Eu fiquei o tempo na UTI e vi muitos momentos difíceis. Meu marido não aguentou. Somente depois que ele acordou”, relata. 

Conheça as etapas para a doação de órgãos 

O primeiro passo para o transplante é quando a equipe médica constata a morte encefálica de um paciente. Os critérios são baseados na ausência da atividade cerebral, incluindo o tronco encefálico, e foram disciplinados pelo Conselho Federal de Medicina – CFM e, em atenção ao previsto no art. 3 da Lei nº 9434/97. Consiste também em avaliações clínicas e de exames complementares seriadas, no intuito de comprovar a ME e descartar causas tratáveis. 

Vale destacar que, conforme a Lei  9434, qualquer pessoa em boas condições de saúde, confirmada por critérios clínicos e tecnológicos definidos pelo CFM, pode ser um doador, podendo ser um doador vivo ou doador falecido. 

“No caso de doadores vivos, pode-se optar por doar a outra pessoa e a autorização é obtida por via judicial  é destinada para cônjuges ou parentes consanguíneos até o quarto grau. Somente podem ser doados órgãos que sejam duplos nos indivíduos ou partes de órgãos que não sejam indispensáveis à vida e não causem limitações permanentes”, explica o médico. “Já no caso de doadores falecidos, conforme Lei 10211, a doação pode ser autorizada pelo cônjuge ou familiares mais próximos. No caso de menores de idade ou incapazes há necessidade de autorização específica pelos pais ou responsáveis. Pode ser feita a opção pela predisposição a doação em vida e comunicada aos familiares”, completa.

Assim, em caso de doadores vivos, podem ser doados fígado, rins, pele, medula óssea e pulmão e em caso de falecidos, os órgãos doados podem ser coração, válvulas cardíacas, córneas, pâncreas e pele.

“Para que um paciente receba um órgão, é observado uma série de critérios, sendo que os pacientes são cadastrados pelos seus médicos e inseridos em uma lista de espera única no sistema nacional de transplantes. Os pacientes são separados conforme o órgão necessário para transplante e ranqueados conforme vários critérios como posição cronológica na lista, gravidade clínica, compatibilidade genética, idade e posição geográfica. Estes critérios elegem os pacientes para o transplante de acordo com os órgãos que surgem disponíveis”, explica o médico Fernando Machado.

Importância da família 

Pela lei 9434-97 a doação após a morte era presumida, ou seja, para não ser doador o indivíduo deveria manifestar isso em vida. Após a alteração feita pela lei 10211/2011, a família passou a ter a decisão soberana em relação a doação de órgãos em pacientes falecidos. 

Em um estudo conduzido pela USP em 2021, a principal causa que impede a doação de órgãos em pacientes falecidos é a recusa pela família. Portanto, é de extrema importância a abordagem adequada aos familiares de pacientes falecidos ou em morte encefálica, possíveis candidatos a doadores.

“Em um cenário ideal, esta abordagem deve ser feita por equipe multidisciplinar envolvendo médicos, enfermagem, psicólogos e assistentes sociais no hospital com possível doador, a fim de acolher, informar e estimular à família quanto a possível doação. Porém, esta não é a realidade em muitas instituições”, conclui o médico.


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