A BRAVATA DO AUTODIDATISMO

No atual contexto de abundância de faculdades de medicina (quase 500!), a inviabilidade de oferecer uma boa formação para a imensa maioria desses estudantes é consequência da total impossibilidade de capacitar tantos “docentes decentes” para tamanha demanda, em tão curto espaço de tempo. É óbvio que não cabem todos os estudantes nas escolas médicas mais conceituadas, sejam elas públicas ou privadas, mas também não adianta querer realizar os sonhos (legítimos) de todos, na base do faz de conta. Já ouvi alguns desses iludidos acadêmicos afirmarem que o autodidatismo supriria a carência de bons preceptores. Parece-me evidente que, se esses mesmos candidatos a médicos realmente fossem dotados de suficientes habilidades autodidatas, provavelmente não teriam sido aprovados apenas em universidades de segunda ou terceira linha.

Também é muito mais fácil e hipócrita atribuirmos toda essa (ir)responsabilidade aos governos dos aldrabões e às universidades estritamente comerciais, do que dividirmos a culpa com os pais desses jovens, que se permitem o afã de realizar os desejos seus dos filhos a qualquer custo e, no caso, a custos literalmente bastante elevados. Iludem-se e, involuntariamente, contribuem para o inevitável aumento exponencial de futuros erros médicos, em vez de aceitar que, lamentavelmente, algumas profissões não são mesmo para todo mundo. Isso pode até parecer discriminação, mas a verdade é que nem todos têm a mesma capacidade de foco e determinação para abraçar carreiras de maior exigência, não apenas intelectual, mas também de desvelo e resiliência. E é ilusória a expectativa de uma boa formação em instituições sem a estrutura física adequada e que carecem de professores com qualificação elevada (mestres, doutores, pesquisadores). Em algumas, inclusive, é proibido reprovar nos primeiros anos, para que seja garantida a arrecadação provisionada. Mais recentemente, universidades sabidamente mercantis, promovem até “leilões” de seus cursos de medicina, repassando sua autorização de funcionamento e seus alunos a outras instituições de ensino, obtendo lucros astronômicos.

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Nas universidades de gabarito, uma prova de seleção extremamente restritiva é apenas o primeiro obstáculo que nos prepara para uma rotina de provações e privações, buscando moldar jovens capacitados para exercer uma profissão extremamente complexa na sua interface entre ciência e humanismo. Suspeito (num livre exercício de achismo), que não haviam tantos “picaretas iatrogênicos”, vendedores de receitas e atestados, nas gerações médicas que me antecederam. Não porque esses médicos fossem simplesmente “Joãozinhos do passo certo”, mas porque o rigor e a exigência os moldou mais íntegros e valorizadores das suas responsabilidades para com a profissão escolhida.

Meu avô, meus tios, meus primos, meus irmãos… todos médicos formados em bem conceituadas universidades (quase todas federais), sempre honraram seus ofícios, em grande parte porque seus pais se fizeram dar ao respeito e não “acochambraram” suas limitações, amenizando as dificuldades do caminho. Como diz uma sábia amiga e mãe ciosa: “atualmente, a missão dos pais conscientes é de dificultar a vida dos filhos.”

 

 

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