Crédito Foto: Suelen Cerbaro

Herbert Kohler despediu-se da vida na manhã de segunda-feira, 25, aos 92 anos de idade. Irmão dos sócios fundadores da Kohler e Cia., ele foi o primeiro colaborador da empresa e trabalhou no local por 64 anos, até seus 88 anos. “Saí na marra porque fui operado na vista. Senão eu tava lá ainda”, contou ele durante uma entrevista ao advogado e pesquisador histórico Roque Luiz Dirschnabel e à jornalista Suelen Cerbaro em 2018. Na ocasião, Herbert também foi questionado sobre o segredo para se chegar aos 90. Com senso de humor, respondeu que “trabalhar muito e comer pouco”.

De uma família de 13 irmãos, nove homens e quatro mulheres, o guabirubense da Pomerânia nasceu da união de Carlos Kohler e Stela Regina. Seus irmãos ainda vivos são Helga Baron, Edite Kohler Schumacher, Maria Kohler e Antônio Kohler. Sábio e simples, Herbert deixa um rico legado, além de seis filhos (Jorge Luiz, Lurdes Maria, Ana Regina, Eusebio Nicolau, Stela Regina e Martinho) e dez netos. 

O Zeitung se despede do guabirubense com a entrevista até então não publicada e concedida no fim de uma tarde de janeiro, na Pomerânia, momento em que ele falou da vida, mostrou seu orquidário e se deixou fotografar próximo aos canteiros de flores e da Natureza, que embelezavam os arredores da sua casa.

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Quais lembranças o senhor possui da infância?

Herbert Kohler: Nós íamos na aula lá embaixo, a pé, onde hoje ainda tem a mesma casa (de Aldo Kohler). O professor era o Arthur Wippel. Comecei com uns oito anos. Primeiro fui de manhã, depois de tarde. Se aprendia a fazer a tabuada, escrever, ler um pouco. A gente ajudava na roça. Ia na roça de bom gosto. Cuidava dos irmãozinhos. As brincadeiras eram mais caçar, com a funda, passarinhos e com a bola eckball (trave de canto). 

Criava porco, tinha vaca de leite, galinha pra matar, de tudo um pouco. Milho, mandioca, tudo que a gente comia. A casa fica logo ali do outro lado, está inteirinha. 

Como o senhor iniciou na marcenaria?

HK: Numa safra levei 80 toneladas de mandioca para a fecularia quando trabalhava em casa. O teu opa (refere-se a Henrique Dirschnabel) tinha fecularia, o Arthur Wippel também, e tinha a cooperativa, no Centro. Quando eu tinha levado aquela montoeira de mandioca, o preço era tão pequeninho, pagava tão pouco, que não valia a pena. O papai disse assim: se tu quer arrumar um serviço pra ti, tu vê que na roça não dá. Eu não te posso fazer uma casa. Eu tenho aqui os cavalos, tenho o mato, tenho tudo, mas a gente sabia que não tinha o dinheiro. Aí o Paulo (Kohler, seu irmão) tinha começado há um ano e pouco a marcenaria e nós todos em casa com o papai. Então o Paulo disse: se quer vir junto para ver se aprende alguma coisa, vamos tentar. Ele era um ano e meio mais velho que eu. Aí eu comecei na marcenaria e a gente caprichou. Eu não sabia fazer nada. Saí da roça e não sabia fazer nada, nem um cabo de enxada, mal e mal. O Paulo sabia. Ele trabalhava com o Belli, em Brusque. Dali ele foi para Curitiba. 

Começava trabalhar as seis até oito horas da noite. Levantava as cinco e meia e ia a pé daqui pra baixo (Pomerânia ao Centro) e voltava, até que tinha ganhado pra comprar uma bicicleta.

Trabalhei de 51 até 2015. Em 1949, eles começaram. Eu entrei dois anos depois. Dali saiu tudo o que tem hoje a Kohler. Depois, começaram com malha, a tinturaria manual: a madeira cortava na serra fita e era levada para a caldeira. Para tingir, tinha as barcas de madeira e inox. A serraria começou depois ainda. O Paulo era fanático demais do mato, da madeira. Ele ficou sabendo dessas terras e foi comprar (Reserva da Kohler e CIA). Tem muita mata nativa, que ninguém mexeu. Muita canela que cai em cima da estrada que não pode mexer. Se cair, não pode nem tirar. Tem que deixar lá. A lei é essa.

O Paulo e o senhor iniciaram os serviços na marcenaria?

HK: Sim. Depois entrou o Erico (Kohler, irmão). Ele trabalhava na fecularia dos Wippel. Ele saiu de lá e entrou na marcenaria. O Alois (Kohler, também irmão) ajudou a comprar. Os três eram sócios. E eu fiquei trabalhando lá a minha vida toda. Naquela época não tinha energia. Só podia começar alguma coisa se alguém parava e que tinha energia. Não dava para comprar um motor e começar alguma coisa. Então, o motor era o mesmo (refere-se ao motor utilizado tanto pela marcenaria quanto pela fecularia de Henrique Dirschnabel). Tinha uma parede só que dividia. Ali era do Henrique. Lá era do Paulo. A chave da energia ficava do lado do Paulo ainda, mas foi tudo combinado. Isso era que nem uma família. 

O senhor viu muitas mudanças na marcenaria?

HK: Todas elas eu acompanhei. Quando o Erico começou trabalhar na tinturaria, a gente já sabia trabalhar. Não estranhava. Naquela época nós fizemos os bancos da igreja. Não tem nenhum pedaço desses bancos todos que não passou na minha mão. Deixamos pronto, envernizado e levamos para a igreja. Tudo que está lá. A cruz, os confessionários. Tudo no meu tempo.

Alguém mais fazia móveis em Guabiruba?

HK: Naquela época não, só nós. Tinha o Theodoro Debatin…depois começou o Arthur Kormann, no Aymoré. 

O senhor recorda da II Guerra Mundial?

HK: Eu tava pronto pra ir. Tinha feito a inspeção de saúde para ir pro Rio de Janeiro, mas bem naquela época terminou a guerra. Era proibido falar alemão e aqui ninguém sabia falar o português. Onde é o Belli (atual policlínica), tinha a polícia. Naquela época todo mundo vinha de carroça pra missa, não tinha carro. Então, o pessoal vinha na missa aos domingos e no final da missa fazia compra, o comércio tava aberto. A polícia ficava no meio para ver se alguém falava alemão. E tinha gente que não sabia, nem querendo sabia falar português, não tinha como. A polícia veio morar na casa dos atiradores. Estragaram tudo.

E como era Guabiruba antigamente?

HK: Tinha festa de igreja, como hoje. Festinha da escola. Colocavam um palmito para subir e em cima argolas com prêmios pendurados. Quem chegava lá pegava o que queria, quem não chegava… não pegava (risos). Para as meninas tinha uma palmeira também apoiada, presa (na base), que balançava. Caminhavam por cima e quem chegava na outra ponta pegava o prêmio. Era brincadeira para as crianças da escola. 

Nessas festas que se achava namorada?

HK: Geralmente. Naquela época não tinha TV, não tinha nada e nos domingos de tarde se reuniam os moços e as moças em certos lugares para conversarem. No meu tempo não tinha nenhum carro em Guabiruba. Era todo mundo a pé, poucas bicicletas. Toda família tinha seu cavalo e carroça. 

Como começou a escola da Pomerânia?

HK: Era uma casinha de madeira abandonada onde morava a Emilia Pruner, antes de subir o morro, à esquerda. O primeiro professor foi o Mário Dirschnabel. 

O que ocorreu com os dedos da sua mão?

HK: Foi na circular. Faz trinta e poucos anos. Esses tempos cortei o braço. Estourou uma polia de ferro fundido e peguei uma lasca. Eu cheguei lá embaixo eles ficavam rodeando, falando, eu vi que não mexia. No outro dia me contaram que queriam amputar o braço e a Stela tava junto e não deixou. Se a Stela e o Rubens não estivesse junto…

Como é o dia a dia do senhor hoje? Ainda acorda cedo?

HK: Não. Desde que to parado não acordo mais cedo. Acordo uma sete, sete e meia. Cedo pra nós é quatro e meia, cinco horas. Depois eu trato os peixes, a criação lá atrás. Tomo um banho, um café…os filhos me ajudam. Todos se viram bem. 

Com a idade, chega também uma sabedoria sobre a vida. O que o senhor aprendeu que gostaria de compartilhar?

HK: O mais importante é se dar bem com todo mundo. Não criar inimizades. O que precisa mais?

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