Avião sem asa, fogueira sem brasa, futebol sem bola, Piu-Piu sem Frajola. Se Claudinho e Buchecha fossem guabirubenses, a música sobre coisas praticamente impraticáveis com certeza incluiria um Pelznickel que não assombra. O que poucos sabem é que a tradição só chegou ao que é hoje graças a uma figura exatamente assim, que prefere a conversa, ao susto.
E bastam cinco minutos ao lado de Luiz Ervino Fischer para entender o porquê. O homem é a paz em pessoa. Fala mansa, sorriso leve e bom coração. Da troca de olhares carinhosos com a esposa, Maria Dorli Fischer, à barba-de-velho feita em casa, no pé de goiaba, ele se preocupa com a qualidade do que faz. “Tem que fazer bonito. Tem que fazer a coisa bem feita”, diz, referindo-se, principalmente, a preservar a cultura de Guabiruba, lugar onde nasceu, cresceu e constituiu família.
Aos 14 anos, em 1997, Luiz vestiu-se como Pelznickel pela primeira vez. Na época, o costume era receber a visita da criatura em casa. Uma casa cheia, diga-se de passagem! Na família de Ervin Fischer e Regina Groh, casados por 64 anos, havia quatorze filhos e dois netos. Além do nome, o caçula Luiz Ervino herdou do pai o amor pelas memórias locais. Ervin Fischer tinha orgulho de ser um dos primeiros Pelznickels da cidade. Com 22 anos, Luiz seguiu o pai e o Papai-Noel do Mato tornou-se um compromisso anual.
No início, usava roupas e trapos velhos com uma máscara feita de lata de tinta, encapada por isopor. A fantasia definitiva foi criada só anos depois, quando a Sociedade do Pelznickel começou a se formar. Luiz conta que a motivação veio compartilhada com outros amigos, como Fabiano Siegel, atual presidente do grupo.
“Chegou um tempo que o Pelznickel deu uma parada, então eu pensei ‘poxa, a gente precisa fazer isso de novo’. Aí falei com o Ivan, meu primo, e ele falou com o Fabiano. Combinamos de sair entre a gente. Depois disso, no dia 24, já andamos juntos como Pelznickels”, explica. Os três movimentaram a fundação da sociedade.
Na época, Luiz já estava na empresa de fiação e tecelagem que trabalhou por quase três décadas. Também foi nesse período em que ele e a esposa, Maria Dorli, se conheceram. Dorli conta os detalhes: “Era uma tarde dançante. Conheci o Luiz como ‘irmão do Vitor’, marido da minha prima, mas eu achava que todos os irmãos do Vitor eram casados. Eu ainda perguntei ‘por que não tá em casa com a mulher?’. Quando soube, Vitor fez questão de explicar à Dorli. “Ele falou pra mim ‘sim, eu tenho um irmão solteiro’ e depois disso eu já não via a hora a de ver o Luiz de novo”, diz a esposa, sorrindo. O casal está junto há 35 anos.
Maria Dorli sempre apoiou o marido, incentivando-o a continuar a tradição. No Natal, diverte-se dizendo “essa noite eu vou dormir com o Pelznickel”. Ela e os filhos também trabalham nos eventos da sociedade e toda a família participou da construção da PelznickelPlatz. O primogênito Jocimar, 30 anos, faz parte da diretoria da associação. Assim como Luiz, ele e o irmão Ueslei, 18 anos, caminham por Guabiruba cobertos de barba de velho, porém, as semelhanças ficam só nisso. Ao contrário dos filhos, o pai foge do tradicional e talvez seja o único Pelznickel que apesar da roupa assustadora, não gosta de dar sustos.
“Dizem que não é bom assustar tanto e também não acho certo. Algumas crianças sofrem muito, acho que dá pra pegar de leve” explica, abaixando as sobrancelhas em um olhar tão bondoso quanto o do próprio São Nicolau. “Gosto de dar barba de velho pras crianças colocarem no pinheirinho de casa, gosto de conversar. Não dou grito, eu quero educar”, diz.
Hoje, com 59 anos, Luiz é jardineiro. Inclusive, plantou várias das árvores no caminho da PelznickelPlatz. “Eu tenho meu cantinho, escondidinho e fico lá. A gente nem vê a hora passar, é bom demais.”