O 29 de outubro de 2016 ficará para sempre marcado na história de Guabiruba como o dia em que o estudante Dalvan Willian Cavichioli, 17 anos, perdeu a vida enquanto cortava galhos de árvores no pátio da Escola Professor João Boos. A lembrança pode empalidecer com o passar dos anos para os que não o conheciam, querer ser apagada para os que viram a cena, mas certamente permanecerá viva na memória e no coração de muitas pessoas.

Na casa onde Dalvan vivia com a mãe Maria Janira Smanioti Cavichioli, 40 anos, e o pai Danilo Cavichioli, 48, seu quarto continua arrumado como se ele fosse chegar a qualquer momento. Os dois violões estão guardados próximos a uma estante cheia de recordações de sua fé. Ele tinha o sonho de fazer parte da diretoria da igreja e por estar cobrindo as sessões da Câmara de Vereadores a serviço da Rádio Guabiruba FM, pegou gosto e sonhava em se preparar e entrar na política. “Era cheio de sonhos”, revela a mãe, sempre muito emocionada.

Ainda no quarto estão guardadas algumas lembranças, como a camisa do Brusque FC, uma jaqueta de couro e chapéus. “Eu troco a roupa de cama a cada 15 dias, tenho a sensação que ele vai voltar. Eu não passo cinco minutos sem lembrar do meu menino”, conta Janira. Sobre a dor que ficou, ela manifesta que Deus a colocou em prova. “Eu sempre dizia para o meu filho que eu não suportaria se ele um dia me deixasse, mas estou suportando”.

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Ao falar sobre o comportamento do pai, Janira afirma que ele tenta ser forte e não desabar para não afetar ainda mais o sentimento dela. “Ele vem no canto da cama e acaricia o cobertor que ainda está estendido na cama de Dalvan, que era filho único e sempre dizia que não queria ter um irmão”, diz.

O menino Dalvan, que estudou por quase toda a vida no Colégio João Boos, sofreu um acidente naquele local quando tinha seis anos de idade ao cair de um brinquedo no parquinho. A fratura exigiu a colocação de pinos e quase o fez perder os movimentos dos braços. Este acidente não o impediu de começar a trabalhar na costura aos sete anos.

Dalvan pretendia se formar em Direito e se candidatar a vereador. Devoto da Imaculada Conceição, ajudou a construir uma gruta no sítio da família, no Lageado Alto, onde abriga imagens de seus santos favoritos, entre eles Santo Antônio e Madre Paulina, onde foi a pé e trouxe a lembrança religiosa.

 

O acidente na Escola Professor João Boos

No dia 29 de outubro completa três anos do acidente, data em que Dalvan, juntamente com outros voluntários combinaram de cortar algumas árvores que se encontravam no interior da escola, uma vez que atrapalhava os alunos nas salas de aula. Janira confidencia que naquele dia o filho iria pedir ao pai de sua namorada para que consentisse com a relação.

O estudante, presidente do Grêmio Estudantil, subiu no guindaste e começou a fazer o corte de alguns galhos quando pediu para que o motorista levantasse o guindaste “muke”, oportunidade em que a madeira torceu vindo a quebrar o cesto, fazendo com que Dalvan caísse de uma distância aproximada de sete metros de altura.

Foi acionado o Corpo de Bombeiros que o conduziu para o Hospital de Azambuja, contudo ele não resistiu aos ferimentos e faleceu momentos depois.

A mãe relembra que tentou alertar Dalvan para os riscos da ação, mas segundo ela, o amor que ele tinha pelas causas coletivas na escola o fez ir. “Ele dizia que naquela escola ainda ia morrer muita gente”, recorda a mãe, referindo-se às condições de conservação do prédio do João Boos.

Justiça conclui que morte foi acidental e processo é arquivado

Para o Ministério Público, não houve crime e por isso o mesmo solicitou o arquivamento do caso, o que foi acatado pelo Poder Judiciário, que concluiu ser insuficientes os elementos para condenação, ressalvadas as possibilidades de desarquivamento nos termos do artigo 18 do Código de Processo Penal, o qual diz que depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.

No documento solicitando o arquivamento, a promotora de justiça Susana Perin Carnaúba aponta os resultados dos laudos periciais. O feito no local concluiu que “face aos elementos relatados, aponta-se como fato contribuinte do acidente a imperícia da vítima, isto é, a incapacidade, a falta de habilidade específica para a realização da atividade relacionada ao procedimento de amarração dos galhos”.

Susana afirma que “conforme relatado pelo perito criminal a vítima não tinha habilidade suficiente para tal prática demonstrando tamanha imperícia por parte deste, não conseguindo prevenir que a madeira batesse na cesta, ocasionando o acidente que o levou à óbito. O ocorrido foi extremamente lamentável, visto que a ideia inicial era colaborarem com a Escola, resolvendo o problema, situação que cada um dos voluntários deram o melhor de si, seus tempos e vontades a fim de ajudar, sendo que infelizmente um deles pagou com a vida. Entrementes, diante do articulado, apura-se que o fato foi um fato inesperado, sem que ninguém pudesse se responsabilizar por um trabalho voluntário, sem comentar que não foi observada as normas de segurança, sendo que todos trabalhavam pelo bem comum, com excelentes intenções”.

Para poder responsabilizar os integrantes do trabalho voluntário, a promotora afirma ser necessário comprovar que houve culpa e ainda especificamente na modalidade negligência, imperícia ou imprudência, sendo que entende extremamente precária esta afirmativa.

Além disso, Susana aponta o exame toxocológico, onde se observou a presença de Midazolam, que é a substância ativa de um medicamento indutor do sono conhecido comercialmente como Dormonid. “Esse medicamento de uso oral e injetável é indicado para indivíduos que sofrem de insônias e para sedação antes de cirurgia, sendo que sua ação altera o funcionamento dos neurotransmissores e deprime o sistema nervoso central. Tal substância também pode ter contribuído para que os reflexos da vítima tenham diminuído, contribuindo e muito para o fatídico acidente”.

Notícia do arquivamento do processo

A reportagem do Guabiruba Zeitung entrou em contato com a direção da Escola João Boos, que preferiu não se manifestar sobre o arquivamento do caso.

A mãe de Dalvan afirmou que recebeu apenas apoio moral da instituição de ensino, com a visita e palavras de conforto pela morte do seu menino, como costuma se referir ao jovem que tinha vários compromissos comunitários, a maioria deles ligados à igreja Católica através da Formação de Adolescentes Cristãos (FAC), no bairro Lageado Alto.

Questionada se o resultado era o esperado, ou se na ótica da família houve culpado, a mãe de Dalvan respondeu que “às vezes penso que sim, às vezes que não, eu não gosto de culpar ninguém, eu sei a pessoa que ele era, mas eu acho que culpado tem”, citou. “Para mim, pode passar dez, vinte anos, mas eu não vou esquecer ele cinco minutos sequer”, emociona-se.

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