Ser educadora no Brasil é um grande desafio. Se propor a ensinar arte torna essa missão ainda mais desafiadora, mas foi exatamente isso que a entrevistada do Jornal Guabiruba Zeitung desta semana se propôs a fazer.
Cláudia Rieg Baron, 62 anos, é formada em Educação Artística, Artes Visuais, Arte Educadora e especialista no ensino da arte e moda. Faz exposições de arte, quadros e esculturas há 25 anos. Esposa de Roberto Baron, com quem teve três filhas (Angela, Adriana e Gabriela) e um filho (Silvano). É avó de duas crianças.
A guabirubense moradora do bairro São Pedro será homenageada no próximo dia 5 de junho em sessão solene da Câmara de Guabiruba, com o título de Cidadã Benemérita.
GZ: Quem é Cláudia Rieg Baron?
Claudia Rieg Baron: Sou mulher, sou mãe, sou artista, sou professora, sou uma pessoa humana que adora viver de forma livre, que valoriza muito as pessoas que vivem e convivem comigo, sou muito sensível e adoro aprender e ensinar tudo o que aprendo.
GZ: Como iniciou suas atividades ligadas à arte e cultura?
CRB: Observando meu pai a desenhar as casas que depois ele mesmo e sua equipe iriam construir para seus clientes. Eu tinha dez anos de idade na época.
GZ: Quais os principais desafios enfrentados durante tantos anos de trabalho dedicados à cultural local?
CRB: Posso identificar vários desafios, dentre eles destaco a visão colonialista em relação aos artistas e à sociedade local. A não percepção da memória imaterial e emocional, a vida que acontece ou aconteceu, seus valores e tradições, os sonhos e o futuro que se pensava ali, que se pensava nas casas típicas que represento nas telas. Mas valoriza-se e comenta-se sobre a plasticidade e a figura material.
Como artista e professora de artes enfrento outro problema nas escolas: quando construímos obras genuínas e coletivas em conjunto com os alunos, como painéis nas paredes das escolas e esculturas em argila e outros materiais, como as escolas são locais públicos e mantidas por moradores e com dinheiro público, esta memória que ali é representada como arte de estudantes, não é preservada, é destruída e apagada levando em conta interesses como colocar brita no pátio, estacionamento e ou o brasão do município, por exemplo, desprezando o próprio fazer de estudantes; talvez está nesta atitude a razão para que muitos estudantes não valorizem a escola e os estudos.
E por último destaco a falta de incentivo público e político para a criação de uma cultura com identidade no valor e no modo de vida das pessoas que moram, vivem e convivem na cidade.
GZ: Quais as principais mudanças em lecionar comparado aos anos iniciais de sua carreira e os atuais?
CRB: Os problemas e os desafios que enfrento, junto com estudantes, praticamente são os mesmos. Estudantes querem aprender muito. Como professora tento fazer o meu melhor e o máximo que posso, inclusive com a tentativa de oferecer de forma contínua as oficinas de arte. Só que não existe continuidade.
O poder público, do qual dependemos porque não temos como trabalhar gratuitamente, tem prioridades distintas e com isso interrompe as atividades que estão sendo ensinadas para atender suas prioridades. Dentre estes eventos de interrupção, destaco a municipalização das escolas estaduais em que atuava, a destruição de esculturas e painéis de construção coletiva com estudantes nas escolas e a contratação de pessoas sem formação específica para o ensino da arte. São situações que, em educação, como uma ciência cujos resultados são só percebidos e alcançados em um período muito longo, gerações e décadas, a continuidade não é considerada como uma prioridade na educação, buscando-se apenas o atendimento burocrático exigido para a garantia de verbas de manutenção. E estas interrupções, não só na área de artes, enquanto impedem a criação de uma cultura e identidade local, favorecem na perpetuação e persistência da identidade colonialista, de submissão e de dependência.
Como enfrento isso? Enfrento oferecendo opções: a Fundação Cultural de Guabiruba colabora com estas opções, oriento professores e professoras sempre que solicitam, ofereço oficinas de arte no meu ateliê, e em escolas de outros municípios ofereço atividades artísticas nas minhas horas janelas e também fora do currículo escolar oficial. Por falar em currículo escolar, muitos dos conhecimentos que ensino nas oficinas de arte, por meio de oportunidades que tive para participar da organização do currículo escolar de artes, foram confirmadas e até incluídas no currículo oficial, tanto municipal como estadual.
GZ: Que fato de sua trajetória em Guabiruba e região você daria destaque?
CRB: Seriam dois fatos, que prefiro ampliar para oportunidades e chamar de situações: a interação com as pessoas que moram e moravam nas casas típicas que transporto para a tela quando falam da vida que ali tiveram e nos sonhos de vida que nela cultivavam.
A vontade que os estudantes demonstram em aprender artes por conta das oportunidades pessoais e profissionais que é possível desenvolver por conta da aprendizagem dos conhecimentos artísticos, daí as oficinas de arte. Entre estas oportunidades, as pessoais dependem de como cada pessoa quer desenvolver e ampliar seus conhecimentos artísticos, qual o foco e a direção que vai criar ou seguir.
Já entre as oportunidades e conhecimentos profissionais posso destacar: pintura em tecido, estampas de fotos e desenho em tecido, mistura de cores para formar novas cores fisicamente por meio de corantes ou digitalmente por meio da luz, desenho de observação, desenho de paisagens, desenho de flores, desenho de pessoas humanas, desenho de rostos; pintura com óleo sobre tela, preservação, manutenção de quadros pintados com tinta acrílica ou com óleo; ampliação de desenhos e fotografias; manipulação de argila e conhecer as suas propriedades na natureza, modelagem de esculturas bi e tridimensionais, modelar o corpo humano na argila, queima e preservação da escultura, pintura e acabamento e preservação das esculturas ao ar livre e em ambientes fechados.
O ensino da música por meio do instrumento flauta doce, adaptando músicas e suas partituras, ajudando estudantes a fazer isso de forma independente e com autonomia; construir esculturas com madeira ou com restos de madeira, que normalmente seriam queimados nas marcenarias, que gentilmente os proprietários guardam para mim, que depois levo para as escolas e ensino como é possível reorganizar os pedaços de madeira, independentemente do tamanho e forma que possam ter, formando esculturas e figuras conforme a imaginação de cada criança ou adulto que participe da oficina, em Guabiruba, a marcenaria Kohler, foi uma de minhas parceiras desde 1997.
Estes conhecimentos podem revelar e desenvolver oportunidades profissionais, podem despertar um olhar para os conhecimentos locais e as riquezas que se desenvolvem na indústria e no comércio de Guabiruba e região.
GZ: O que significa para você receber o mérito de Cidadã Benemérita?
CRB: Não esperava por esta indicação, até porque não conseguia perceber, ou sentir, de que minha atuação tinha o reconhecimento e o valor que eu esperava. Aceitei porque despertou em mim, como acontece quando aparece um novo desafio, um sentimento de oportunidade para mostrar o valor da arte para a população de Guabiruba e deixar isso registrado em outras esferas das atividades humanas: a política, a jornalística e na sociedade fora das atividades da sociedade escolar e artística.
GZ: Que conselho você daria para quem está começando agora a trabalhar com arte e cultura?
CRB: Diante de cada desafio, diante de cada nova dificuldade, diante de cada rejeição, buscar por mais e novos conhecimentos, não apenas os conhecimentos lineares, universais, científicos, consagrados ou canonizados, ensinados nos livros e nas universidades, mas ir além deles. Valorizar os sentimentos, os conhecimentos e as soluções locais, historicamente presentes nas nossas vidas e nas vidas dos que viveram antes de nós e convivem conosco, valorizar conhecimentos experimentais e empíricos, por que é neles que, muitas vezes, abrimos portas e encontramos a força para continuar a luta por um mundo melhor e para uma vida com dignidade, construindo e superando soluções para o futuro. E na arte esta superação é que traz identidade para artistas e professores/professoras de arte.