Essa semana foi um prato cheio para quem acompanha o cenário político. Local, regional, nacional e até globalmente, os acontecimentos se atropelaram. Listei pelo menos sete temas que dariam uma ótima coluna. Tem semana que a gente fica caçando assunto, e tem semana que dá vontade de escrever um jornal inteiro. Mas, como só tenho meia página, escolhi um tema que mistura política, cultura e, claro, polêmica: os shows cancelados do Ira!.
Tudo começou quando o vocalista Nasi se posicionou contra a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. A declaração, feita durante um show, gerou reações intensas, especialmente de apoiadores do ex-presidente Bolsonaro. O resultado? Cancelamento de apresentações no Sul do país, patrocinadores pulando fora e uma baita dor de cabeça para a banda e sua produção.
A questão aqui vai além dos fatos. É sobre o papel do artista e o peso de sua opinião política. Existe hora e lugar para se expressar? Ou o palco é, por essência, um espaço de liberdade? Por outro lado, é importante lembrar que um show, além de ser uma expressão artística, é também um produto vendido e consumido. Quem vai ao show quer ouvir o Ira! tocar, não discursar. E, convenhamos, quem segue a banda já sabe de seu posicionamento político. Se um fã de direita decide, ainda que divergindo da posição política da banda, pagar um ingresso e ir no show, deveria ter sua decisão valorizada e não ser hostilizado por pensar diferente do artista. Afinal, é um sinal de que a música transcende ideologias, que o Ira! é tão bom que consegue unir em torno de sua música quem pensa assim e quem pensa assado, coisa que nem Lula e nem Bolsonaro conseguem.
Eu até acho que não, mas se a intenção de Nasi e sua trupe foi inflamar uma discussão já em ebulição, até nisso erraram. A prova é a Av. Paulista, que já chegou a reunir 2 milhões de apoiadores de Bolsonaro e não teve nem 50 mil manifestantes contra a anistia reunidos no último domingo (6). O sentimento de impunidade e injustiça, entre outros, enfada a grande massa, que prefere “tocar a vida” a se mobilizar outra e outra vez.
O impacto foi direto: a banda, que sempre teve uma pegada contestadora, viu sua gestão ser desafiada por um tema que extrapolou a música e entrou de cabeça no debate político. E, no meio disso tudo, fica a reflexão: será que o público quer ver “Flores em Você” enquanto discute política, ou prefere deixar os “Dias de Luta” só na playlist? Não seria um bom show de Rock’n Roll o lugar perfeito para se desligar, ainda que por poucas horas, do mundo lá fora? O fato é que, gostando ou não, o Ira! mostrou que ainda envelhece na cidade com a mesma energia de quem não tem medo de gritar na multidão.